E a Mir já era...

Certa vez jurei por minha santidade (e serei eu falso a Deus?): a sua posteridade durará pra sempre, e o seu trono será como o sol para mim. Leia Salmos 89
Explosão da nave MIR em 1986
Especialmente na Rússia, o fim da estação orbital Mir causou muita emoção. Toda a glória de Yuri Gagarin, que acenou com a supremacia da extinta União Soviética na corrida espacial, veio à tona, com aquele toque de melancolia que sentimos diante do que foi e que mais não é.


A Mir foi um dos mais expressivos símbolos da conquista, pelos russos, do espaço sideral. Planificada para ter uma vida útil de cinco anos, durou quinze, se bem que de maneira precária, em sua fase final. Por ela passaram inúmeros astronautas estrangeiros, em um programa fraternal de troca de experiências e tecnologias.

Pois bem. Esse fantástico engenho tornou-se fogo e cinza ao entrar na atmosfera da Terra, em uma sexta-feira, 23 de março de 2001, antes que seus fragmentos caíssem, sem danos, no oceano Pacífico. A bonita odisseia da Mir durou mais de 5 mil dias.

Seu fim, pela importância internacional da estação, se fez verdadei­ra parábola da transitoriedade de tudo que existe. Do ser humano, que é descrito frágil como uma flor no salmo de Moisés, até os mais duradouros impérios, que também conheceram a decadência, de­pois de viver seu apogeu.

O salmo que temos diante de nós foi escrito por Etã. E o salmista nos garante, no mundo onde tudo é precário, que o reinado messiânico de Davi será permanente: a sua posteridade durará para sempre. Etã dedica boa parte do seu belo poema à grandeza de Deus, utilizando uma linguagem cósmica: celebram os céus as tuas maravilhas, ó Senhor, e, na assembleia dos santos, a tua fidelidade... Dominas a fúria do mar; quando as suas ondas se levantam, tu a; amainas. Teus são os céus, tua a terra; o mundo e a sua plenitude, tu s fundaste... O teu braço é armado de poder, forte é a tua mão, e elevada a tua destra.

Fala ainda o salmista das limitações da própria vida, a um passo da morte. Cobra de Deus sua prometida fidelidade a Davi e sua descendência. E termina o seu longo poema com a postura piedosa do homem de fé: bendito seja o Senhor para sempre. Amém e amém. Pela franqueza absoluta com que fala de si mesmo e o jeito um tanto desabrido de dizer as coisas, o salmista nos ensina a não escamotear filho não conhecesse o lado sofrido da existência. Mas foi a visão que o jovem príncipe teve da pobreza, da velhice, da morte e da mística que iniciou dentro dele o processo espiritual que terminaria por levá-lo a ser Buda, o iluminado. Neste mundo do terceiro milênio, quando pessoas mais amargas chegam a desvalorizar a paixão de Madre Teresa de Calcutá, o salmista vê, passo a passo, a ação salvadora de Deus, utilizando em especial a linhagem de Davi.

Millôr Fernandes, no livro A bíblia do caos, afirma com seu humor aguçado e inteligente: Deus existe, mas não é full time. Sinto que, por seu turno, é natural como a respiração, para o salmista, perceber as impressões digitais do Senhor, tanto no Universo como em todo o processo da História humana. Não resta assim a Etã outro caminho que não seja bendizer o Deus Eterno, responsável por um sentido permanente na vida de seu povo.

O salmo é comovente. Mas não basta ler o poema.
E preciso vivê-lo.



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