O quadro de Jesus III

Jesus cura o cego, Carlos Araujo (1950-)
No tempo que eu fazia o seminário tinha um professor que sempre dizia coisas estranhas. Ele era um bom pregador, muito eloquente e tinha uma presença no púlpito marcante. Mas, por causa das suas afirmações absurdas, em vez de analisar o que ele dizia, eu fazia muita gozação dos sermões dele. Eu era meio abusado mesmo. Deus tem que perdoar por isso, porque ele já morreu. Mas um dia ele disse que nós nunca deveríamos pregar que Jesus salva ou que Jesus cura, porque isso é um grande erro teológico. Nesse dia eu quase caí da cadeira, e olhem que eu era bem moderninho nas minhas concepções. Eu fiquei indignado até a hora em que ele disse que não deveríamos pregar que Jesus salva sem explicar como ele faz isso. 

De fato, não é nada producente dizer que Jesus salva e que Jesus cura se não colocarmos um conteúdo consistente nessa frase. Aceitar o que o professor disse foi só o primeiro passo, mas levou anos para entender o que ele quis dizer. Nós temos que expor em termos concretos o que significa Jesus Cristo salva. Jesus Cristo nos salva do quê? Ele nos cura do quê? Esse é um problema da nossa existência: ele nos salva de que jeito? Somos realmente curados? Temos experimentado a salvação? Temos crido nas forças que curam? Temos recebido o poder de Jesus, o Salvador? Temos sido tomados por esse poder? Realmente Jesus Cristo é suficientemente poderoso para superar as nossas tendências neuróticas e neutralizar a rebelião da nossa subconsciência?

Sabemos que Jesus salva, mas diante dessa certeza temos experimentado os momentos em que a graça divina supera a ansiedade e o desassossego da nossa natureza humana quando eles mais nos castigam? Como tem sido os nossos momentos em que a graça de Deus conquista esses desejos desenfreados e as depressões escondidas que sempre se voltam contra nós sob a forma de ódio e hostilidade contra tudo e todos, inclusive contra nós mesmos. De que forma aceitamos e recebemos a cura do nosso desejo secreto de morrer? Mais importante que tudo isso: temos reconhecido os momentos em que a graça de Deus nos faz novas criaturas?

É isso que significa que Jesus Cristo salva, e é esse o problema de cada cristão no mundo seja em que época for: entender o que é ser curado, aceitar que Jesus salva e ser completamente tomado por essa salvação. Tudo isso debaixo de uma única e impreterível condição: da maneira como somos e do jeito em que nos encontramos aqui e agora.

Ao ouvir recentemente um sermão do capelão do Hospital do Câncer no Rio de Janeiro, conheci o testemunho de uma senhora que me fez fazer a seguinte promessa: enquanto Deus me permitir pregar o evangelho, eu contarei esse testemunho.

Foi o seguinte: uma senhora ativa na igreja e reconhecidamente uma boa cristã, recebeu, de uma hora para outra, a notícia de que tinha um tumor maligno em alto grau de desenvolvimento. Na primeira visita que o pastor dela acompanhado do capelão fez no seu leito de morte iminente, disse que a igreja estava orando com fervor para que o seu quadro se transformasse radical e milagrosamente. A senhora simplesmente disse: pastor diga a igreja para não orar por mim desse jeito não. Estou conformada e muito bem com meu Deus, como nunca estive antes. Eu jamais trocaria qualquer cura física pela cura espiritual que essa doença me proporcionou.

Isso é ter fé. Isso é ser salva? Isso é ser curada.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...