O quadro de Jesus II

Cristo cura um cego, el Grego em 1570
O povo que Jesus pôde curar naqueles dias e o povo que Jesus pode curar hoje é o mesmo que fez e que faz hoje essa entrega de si mesmo ao poder curativo de Jesus Cristo. Eles entregaram a si mesmos como eles estavam: pessoas divididas em si mesmas, pessoas se contradizendo a si mesmas, pessoas repugnando e desprezando a si mesmas. As pessoas que Jesus curou e as pessoas que Jesus pode curar hoje são exatamente aquelas que podem entregar-se a si mesmas como estão: amedrontadas, sobrecarregadas de culpa, acusando outras ao mesmo tempo se justificando, fugindo das outras para a solidão, fugindo de si mesmas para a depressão e pessoas tentando escapar para a segurança ilusória da enfermidade mental. Essa entrega nós chamamos de fé.

Podemos nós ainda experimentar esse mesmo pode hojer? Podemos nós ter essa mesma fé? Eu penso que o que nos tem prejudicado hoje são as histórias de milagre que os evangelhos nos trazem. Não sabemos o que fazer com elas, pois elas parecem ser tão estranhas e tão diferentes da nossa realidade. Em vez de nos fazer ter mais fé crer mais no poder de cura de Jesus Cristo, elas nos fazem ficar mais distante. Justamente por isso precisamos redescobrir o que o Segundo Testamento sempre soube: os milagres são sinais apontando a presença do poder divino na natureza e na história. Sendo assim, os milagres não são uma negação das leis naturais, como temos pensado, crido e ensinado aos outros. Através dos olhos da nossa natureza pecaminosa nós só desejamos ver o espetacular, nós queremos ver o inusitado, o que ninguém jamais viu, e isso sim é contra as leis fundamentais da natureza. Nós ficamos tão ansiosos pelo ineditismo que caímos na tentação de desconsiderar os milagres do evangelho, quando na verdade ter fé é ver os sinais que Deus tem deixado, e que apontam a presença dele na natureza e na história.

Como é difícil para nós entender essa verdade! Como nos custa acreditar que somos vítimas constantes da superstição e da magia. São raros entre nós aqueles que não ficam doidos, a palavra é essa mesma, doidos para saber o que o futuro vai trazer. São raros os que entre nós não consultam os discípulos do Omar Cardoso antes de por os pés fora da cama. Eu vou ter um bom dia? Eu vou fazer um bom negócio? Eu vou conhecer o amor da minha vida? Pouca gente sabe que a pior coisa do mundo é conhecer o futuro. Se eu soubesse que amanhã teria insônia, já ficaria sem dormir desde hoje.

Somos totalmente atraídos por tudo que misterioso e mágico, e é por isso que nos deixamos enganar por aqueles que exploram a fé com fins comerciais e egoístas. Não estou negando que os abusos da fé ocorrem, mas eles só ocorrem quando o uso correto da fé é negado, quando a fé se torna fraca. Não tenho tanta preocupação com isso, porque tenho total convicção de que a boa teologia e a boa prática da fé acabam os abusos e superstições. Por isso vamos deixar penetrar em nossas mentes a seguinte verdade: os milagres não são uma negação das leis naturais, eles são sinais de que Deus continua agindo hoje como agiu antigamente. O problema é ter fé para descobrir esses sinais no contexto pecaminoso, iníquo e injusto em que vivemos. Onde está o Reino de Deus nesse mundo em que todos tentam tirar para si o máximo proveito de tudo e de todos? Como perceber o milagre da presença de Deus em uma humanidade contaminada como a nossa?

O problema maior é o da nossa própria existência: somos curados? Somos curados mesmo? Somos salvos? (continua) 

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