Quando tudo diz o contrário

José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: “José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Mateus 1.19s
São José, Gerrit van Honthorst em 1620
Não há como perceber os sinais do Natal, mais particularmente da presença de Deus no mundo, senão através da fé. Esta é uma regra que se encaixa tanto para as expectativas do antes, quanto para a sensibilidade do durante, e vai atingir a sua vigência máxima na reflexão do depois da vinda do unigênito Filho de Deus. Basta que atentemos na imprecisão dos sinais que nos deixaram as vozes da profecia que anunciaram a sua chegada, assim como na precariedade de provas apresentadas por aqueles que foram suas testemunhas oculares.


Esta é uma realidade para a qual ninguém se preparou, por isso, enquanto Jesus esteve no pleno exercício do seu ministério, ninguém foi investigar o passado para comprovar se os fatos atuais correspondiam com as promessas, nem tampouco se preocupou em colher provas mais palpáveis da sua presença. Muito do que se especulou antes dele, e muito do que está sendo investigado hoje não se faria necessário, caso os discípulos que o seguiam de perto tivessem assim procedido.

Tudo se justifica pelo simples fato de Jesus estar ali no meio deles, disponível para quem quisesse vê-lo ou inquiri-lo, o que mais se faria preciso? Os sinais que o seguiam eram prova cabal da sua messianidade e confundiam até os mais céticos adversários. É bem provável que tenha sido este o principal motivo do desleixo dos historiadores cristãos que viveram intensamente este momento. Por outro lado, não há como negar o grande tumulto que foi gerado pela sua presença naquele específico período da história.

Desse enredo, uma coisa sempre instigou: a constatação de que o epicentro de todo esse indescritível e único evento da história, que foi capaz de estabelecer a união indissolúvel entre a mensagem que veio de um passado longínquo através dos profetas, com a expectativa dos cristãos que já dura dois mil anos recaiu exclusivamente sobre a cabeça de um homem. Ele passou a ser uma figura central e de capital importância, o que é, infelizmente, muito pouco reconhecido e menos ainda valorizado pela igreja protestante. Ele é o pai terreno de Jesus, que ficou conhecido por nós como José o carpinteiro.

Pouquíssimas informações temos a seu respeito, sendo que algumas bastante controversas e outras muito mal interpretadas. Quanto à sua linhagem, Mateus o coloca como descendente direto de Davi, enquanto Lucas faz com que essa linhagem chegue a Jesus através de Isabel, seu verdadeiro parente sanguíneo. Outras diferenças podem também ser observadas, inclusive nomes diferentes são dados ao seu pai. Quanto o título de carpinteiro que costumamos identificá-lo, também não lhe é apropriado, pois deriva de mais de uma intuição do que propriamente de uma averiguação. Em Mateus 13.55, José é chamado de tekton, e esta é uma designação dos trabalhadores que praticam atividades com pedras, e não com madeira.

Mas as minhas questões sobre José não se baseiam nestes detalhes, e sim no fato dele ser apenas mais uma vítima inocente do grande enigma proposto por Deus desde a fundação dos séculos. Tudo o que lhe foi dito e todas as informações de que dispunha vieram através de um sonho fugaz. Pelo menos com José, Deus teria que ter sido mais explícito. Pelo para José Deus teria que ter aberto uma janela que descortinasse um futuro imediato. Pelo menos a José deveria ser mostrado o seu papel neste plano salvífico. Mas é aqui justamente que está o grande valor desse gigante da história da salvação: José não precisou mais do que uma intervenção sutil de Deus para confiar definitivamente nas suas promessas. José não precisou de algo muito próximo de uma alucinação para se entregar de corpo e alma a um projeto para o qual a sua expectativa de vida não contemplaria.

Quando tudo dizia o contrário. A lei quanto à gravidez suspeita da prometida ao casamento era passível de apedrejamento em punição semelhante a do adultério. Os soldados romanos não aquartelados a um longo tempo naquela região, não de furtavam em estuprar as adolescentes judias, independentemente delas terem sido prometidas em casamento ou não. As traquinices da juventude são coisas comuns a qualquer geração. Então? O que fez José superar todo esse preconceito e aceitar um filho que tinha certeza que era seu? Somente a submissão irrestrita à vontade de Deus, aliada a um amor incondicional pela pessoa que lhe era próxima, no caso Maria, pode nos dar um indício. Prova que bom mesmo, somente através da incerteza da fé.

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