Messias rival ou aliado fiel?

Degolação de João Batista, de Victor
Meirelles (1832-1903) M.B.A. - RJ
A pergunta de Zacarias no primeiro capítulo do evangelho de Lucas ainda ecoa nos dias de hoje sem que tenhamos uma resposta precisa: Que virá a ser, pois, este menino? O Evangelho de Lucas narra o nascimento de João Batista quase bem próximo do de Jesus. Já se perguntaram qual a finalidade disso? Por que Jesus diante de Moisés, Isaías e Jeremias, enaltece o Batista como o maior profeta nascido de mulher que já existiu? Que grande mistério rondou a sua infância, juventude, ministério e
morte? Através de um esforço concentrado vamos tentar buscar algumas pistas para estas respostas.

A Bíblia nos diz que João era filho de pais idosos, Zacarias, sacerdote e Isabel, descendente de uma família de sacerdotes. Maria, mãe de Jesus, era sua prima, este fato o coloca dentro da linhagem sacerdotal também, além da linhagem real, que ele já possuía. Diz também que ele viveu na mesma época que Jesus que foram bastante próximos na infância. Testifica que a primeira aproximação dos dois foi miraculosa. O primeiro encontro das grávidas dá a entender que João creu em Jesus, o filho de Deus, mesmo antes do seu nascimento. Assim como na vida de Jesus, existe uma lacuna entre a sua infância e seu surgimento como adulto. Mas qual era o papel de João Batista na Bíblia? Ficar à sombra de Jesus? Tinha realmente a intenção de preparar o caminho para o Messias? Ou era ser um messias rival?

Zacarias anunciou que seu filho precederia o Senhor; milhares de pessoas se reuniam para ouvi-lo no deserto pregando e profetizando; muitos tremiam diante de suas visões apocalípticas que falavam da chegada do fim do mundo e da vinda de um Messias; outros veriam nele a esperança para a libertação de um governo opressor; a própria Bíblia faz questão de retratá-lo como uma figura selvagem, de olhar intimista e acusador, portador de uma mensagem agitadora; na verdade ele era o tipo que não gostaríamos de encontrar numa noite escura. Como ele veio a se tornar esta pessoa? A resposta talvez esteja numa seita antiga que vivia reclusa no deserto naquela mesma época: os essênios. Talvez João tenha se tornado um deles. Esta afirmativa até bem pouco tempo era especulativa, mas com a descoberta dos pergaminhos do Mar Morto pode se constatar a grande similaridade entre a mensagem deles e a de João. Se João viveu entre eles, experimentou uma vida dura de jejuns, orações e banhos de purificação constantes. João adotou o batismo como sinal de purificação de pecados. Ele estendeu o ritual para fora das piscinas de imersão para o rio Jordão, ato que remetia à entrada dos hebreus na terra prometida. O rio veio mais significar uma passagem para a redenção, liberdade e salvação.
João encarnou o estilo dos grandes profetas do Antigo Testamento.

Sua mensagem era apocalíptica, desafiava tradições, falava da salvação para os pobres e anunciava o que Deus já estava fazendo no mundo. Da sua profecia, ninguém escapava. Aos sacerdotes do templo, chamou-os de raça de víboras. Disse que seu arrependimento apenas para escapar da ira vindoura e que eles tinham que transformar o coração. João não somente angariou simpatizantes à sua mensagem, como também um grupo fiel de seguidores que aumentava constantemente. Um dos que veio para ouvir a mensagem de João e ser por ele batizado foi um jovem de Nazaré que tinha o nome de Jesus. Uma das razões de Jesus ter deixado seu lar e seu trabalho, talvez tenha sido porque ouvira falar de um novo profeta que estava anunciando as novidades de Deus, não sabemos. Mas ao ser por ele batizado ouviu uma voz celestial que o proclamou Filho de Deus. Será que João e seus discípulos o reconheceram somente como Messias e não como o Filho de Deus segundo a voz? Em Mateus 3,14 existe uma pista para essa questão. O texto diz que além de João se subjugar a Jesus, reconhecendo sua superioridade, lhe foi também obediente, reconhecendo a sua autoridade. Mas ainda assim não deixa clara a resposta para si: Jesus era um Messias ou o Filho de Deus?

Ouvir dos evangelistas que João anunciava a vinda de um messias, e que este se configurou em essência no Filho de Deus é uma leitura às avessas. Uma vez que eles já conheciam o desfecho dos acontecimentos, dizer que João o anunciava como Messias é uma conclusão simplista. Mas não era esse o ministério de João. Ele veio para anunciar a vinda do próprio Deus. Voz do que clama no deserto; Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Pelo simples fato de João anunciar para breve a vinda de Deus ao mundo, muitos de seus adeptos pensaram ser ele o Messias. Se surgisse um elemento humano com características de um redentor de Israel, ele era imediatamente chamado de Messias, assim como Ciro, Bar Kochba e Judas Macabeus o foram. Mas o que tornou a vinda do Messias tão relevante na época? Política ou religião? A escravidão romana não era menos aviltante que as práticas pagãs no culto a Javé.

Jesus foi o primeiro a entender realmente João, e assim reconhecê-lo como o maior profeta da história. Tanto que colocou a si mesmo sob o seu controle. Após ser batizado por João, Jesus se vai levando consigo dois discípulos de João. João reconhece o papel único de Jesus no batismo, mas apesar disso ainda tem dúvidas a seu respeito. João não tinha muito claro quais eram os motivos e objetivos de Jesus. A mensagem de Jesus soou de forma estranha diante da expectativa que João, seus discípulos, os próprios discípulos de Jesus e todo o povo depositavam no Messias. O Messias viria restaurar o trono de Davi e com ele a prosperidade de Israel nos moldes antigos, mas Jesus falava de amar os inimigos e de orar por aqueles que os perseguiam. Mesmo questionado por João, Jesus continuaria a enaltecer a sua grandiosidade. O encontro resultou que ambos tomaram caminhos diferentes proferindo diferentes ênfases em suas mensagens. Por causa de suas insinuações políticas, a mensagem de João tornou-se cada vez mais ameaçadora para Herodes e para os romanos. A agitação social, a presença de um profeta e a expectativa de um Messias eram responsáveis pelo clima de insegurança política prevalecente. Os romanos já dominavam Israel há quase 100 anos, e as tentativas de rebelião eram constantes. Por tudo isso, Roma impunha um domínio cada vez mais duro sobre a província, e não era improvável que vissem João Batista como uma ameaça.

Uma análise superficial em sua mensagem leva-nos a crer que João visava principalmente às autoridades estabelecidas. Ele era uma figura popular e reverenciada, estivesse ou não condenando a soberania de Roma, pagou o preço por isso. Herodes mandou prendê-lo em seu palácio e a voz que clamava no deserto foi definitivamente calada. Seu ministério durou menos de dois anos. A morte violenta de João foi um recado a Jesus sobre o destino dos profetas. Jesus tinha pleno conhecimento desta realidade, e demonstrou isso quando disse: Jerusalém, Jerusalém, que mata os teus profetas e apedreja os que te foram enviados. Após sua morte, muitos de seus discípulos tornaram-se discípulos de Jesus, mas isso não significou que sua mensagem tenha desaparecido. Livro de Atos conta que Paulo encontrou um grupo de seguidores de João na Ásia Menor vinte e cinco anos após a sua morte. Uma seita que nunca ouvira falar de Jesus. Ainda assim a pregação de São Paulo não conseguiu converter todos os discípulos de João em discípulos de Jesus. Ainda hoje os mandeios, que datam a sua origem anterior a Jesus, praticam cerimônias de banhos de purificação no Iraque e Irã. Também são encontradas na Austrália e América do Norte. Não sendo muçulmanos ou cristãos, os mandeios veneram um profeta acima de todos os outros: João Batista. Repetindo seu batismo, confirmam seu compromisso com o antigo profeta do deserto.

João estava acima de todos os profetas da Bíblia. Foi onde Jesus quis deixá-lo. É impossível não valorizarmos a vida e a obra de João, o Batista. O Cristianismo encontrou no seu curtíssimo, porém, profícuo ministério, não somente a mais benéfica das influências, mas a inegável certeza de que o Reino de Deus está realmente próximo.


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