Entre o bem e o bem III

Jó e seus três amigos, James Tissot
Outra escolha que Jó teve que fazer, foi a escolha entre evidência e esperança, entre o real e o imaginário, entre o fato concreto e o sonho. O mais curioso neste livro é que a maioria das pessoas decoram três ou quatro versículos e acham que o conhecem profundamente. O Senhor me deu, o Senhor me tirou. Bendito seja o nome do Senhor. Tem aquele que
diz assim: Eu sei que o meu redentor vive e por fim se levantará sobre a terra. É a hora em que todo mundo diz glória e aleluia e todos os problemas que o livro levanta estão aí resolvidos. Ainda existem aqueles que querem fazer do livro de Jó um manual de credos, por que o que está valendo é o imediato. Se for evidente, está certo, se os resultados estão aparecendo, então a coisa é boa e é de Deus. Esta é a doutrina de Gamaliel, aquele que disse: Se esta obrar permanecer é de Deus, se acabar não é. Gamaliel é o Murilo, aquele que fica em cima do muro. Se está funcionando e se está durando, é porque é de Deus. Ainda bem que foi Gamaliel quem disse, não foi Deus ou um dos seus profetas. Muitas pessoas não entendem que palavras como as de Gamaliel e de outros doidos, como Faraó, Nabucodonosor, o registro é inspirado e não as palavras. Foi registrado para que nós tivéssemos conhecimento, mas que o seu teor de forma alguma expressa a vontade de Deus. 

Os amigos de Jó diziam que se ele estava atravessando uma situação adversa, era evidente que tinha pecado. Como estavam errados hein? Jó é aquele que perdeu o seu prestígio, perdeu os seus bens, perdeu a sua família, perdeu a sua saúde, mas não perdeu a sua fé em Deus. Jó luta contra todas as evidências e mesmo sem achar respostas para o seu sofrimento não desiste de Deus. A verdadeira afirmação de fé de Jó está no capítulo 13 verso 15: Ainda que ele me mate nele esperarei. Este é o grito da fé definitiva, a escolha de alguém que entende com todos os seus sentidos que quando Deus tarda, ou quando Deus diz não, de nada adianta correr atrás de mãe Diná, do bispo isso, ou do apóstolo aquilo. Somente lhe resta esperar pacientemente em Deus. O controvertido escritor William Safire disse em certa ocasião: Eu comecei a ler o livro de Jó com dúvidas na minha fé. Terminei de lê-lo, com fé nas minhas dúvidas. O livro de Jó é uma preciosidade que contraria radicalmente aqueles que pensam que o Antigo Testamento não é Palavra de Deus. Ele que nos ensina que é quando a fé parece ser mais impossível, é justamente o momento em que mais precisamos dela. É o livro de Jó nos ensina que entre a realidade aparente e a fé, existe um Deus Todo Poderoso que é quem faz pender a consumação dos fatos, ainda que já não estejamos mais aqui para sermos testemunhas.

Finalmente Jó teve que fazer a escolha entre a Palavra de Deus e a Palavra de Deus. É um fato notório que nem tudo o que os amigos de Jó falaram estava errado ou que não representava a verdade. Muito do que eles falaram era palavra de Deus de fato. A questão aí não era se a Palavra era fiel ou não, e sim se era aplicável à situação em que Jó se encontrava. Para tomarmos um exemplo mais explícito, vamos nos lembrar da tentação de Jesus no deserto. O tentador usou argumentos precisos e totalmente válidos, usou na íntegra a palavra de Deus. Ele puxou uma Bíblia na NTLH e disse: Está escrito. Só alguém ligado a Deus, como Jesus, para perceber que por trás daquelas ofertas de bondade, de amor intercedente, tinha a voz do Diabo. Somente alguém que medita constantemente na Bíblia, quem a tem tão próxima de si, pode ter entendimento para responder à altura: Também está escrito. O período que durou o sofrimento de Jó foi muito proveitoso para que este meditasse na palavra de Deus e desse aquele incrível salto da fé supersticiosa para a fé de total entrega. Foi isso que fez com que ele reconhecesse, assim como fez Jesus, que a palavra dos seus amigos, embora fosse a Palavra de Deus, não era a mais propícia para aquele momento.

Eu quero encerrar dizendo algo que resume tudo o que foi dito até então. Caso eu tivesse dito anteriormente, dispensaria toda essa conversa ate agora. O que eu vou dizer carrega consigo uma profunda consternação porque é uma verdade que dói, mas carrega também a certeza de que é extremamente necessário que seja dito nesta hora. Meditando com persistência e fidelidade na Palavra de Deus, é que vamos entender que Deus está mais interessado na nossa fé do que no nosso estado de espírito. Que Deus está mais interessado na nossa fé, do que na nossa prosperidade. Deus está mais interessado na nossa fé do que na nossa saúde. Porque ele sabe muito bem que é a fé, e não o estado de espírito que pode nos mantém de pé diante das adversidades que tentam nos derrubar. Ele sabe muito bem que é a fé e não a prosperidade, que nos faz superar as grandes e reais perdas das nossas vidas. Ele sabe muito bem que é a fé, e não a saúde, que nos tira inteiros de dentro das crises que enfrentamos.

A grande recompensa de Jó não foi receber tudo em dobro, como alegam por aí. Sabemos muito bem que nem toda a riqueza do mundo, compensaria um sofrimento nesta escala. Sabemos também, aqueles que são pais, que a chegada de um novo filho, não conforta a dor da perda de outro. A grande recompensa de Jó foi escolher a Palavra de Deus, quando as superstições falavam tão alto, foi escolher a palavra de Deus quando as evidências eram inquestionáveis. Foi escolher a palavra de um Deus que se importa. Importa-se com o que fazemos, importa-se com o que escolhemos, importa-se conosco. Agora sim já podemos responder ao Elifaz e a todos os que insistem e confrontar a nossa fé em Deus e na sua Palavra: Deus se importa com as minhas escolhas sim. Foi por fazer a escolha certa que Jó nos garantiu, antes mesmo que são Paulo, que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus. Se permanecermos fiéis a ele e a esta palavra, todas as coisas irão concorrer para o nosso bem, até a dor ou sofrimento vão servir de ponte para nos fazer chegar tão próximos e tão íntimos de Deus, a ponto de podermos dizer como Jó: Agora os meus olhos te veem.


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