Entre o bem e o bem II

A paciência de Jó, Gerard Seghers (1591-1651)
Mas alguém pode me questionar e terá absoluta razão. Eu falei de nossas escolhas, e nós normalmente não fazemos escolhas tão grandes e importantes como estas. Nós não somos como eles, estes são os super-heróis da fé, os campeões do temor e da obediência a Deus, o que temos nós de
parecido como eles? A maior figura do Primeiro Testamento, a maior figura do Segundo Testamento e a maior figura de todos os tempos. Estes são Abraão, Paulo e Jesus. Não estamos neste nível. Gostaríamos imensamente de chegar lá, mas estamos longe ainda. Por isso, para dissipar qualquer questão deste tipo, eu quero tomar como exemplo para nossa reflexão alguém bem mais próximo de nós. Alguém com quem nos identificamos plenamente, alguém que, na Bíblia, pareça mais humano e menos super herói. Jó me parece ser essa pessoa que nos soa familiar. Pois, se um dia já não nos sentimos como ele, fustigados sem motivo pela dor e o sofrimento, pelo menos conhecemos alguém que seja a personificação da história deste antigo patriarca. Eu peço licença para comentar em rápidas palavras o desafio que na vida de Jó, representaram a escolha mais difícil da sua existência: a escolha entre o bem na vida de Jó.

A primeira escolha que Jó teve que fazer foi dentro da sua própria casa. Ao ver o marido naquela degradante situação e não conseguindo enxergar outra saída, sua mulher, como um desabafo derradeiro se vê obrigada a dizer-lhe: Amaldiçoa teu Deus e morre. A este grito inconformado e herético os teólogos chamam de eutanásia teológica. Os antigos pensavam que quem amaldiçoasse a Deus morria fulminado na mesma hora, e Jó teve que fazer a escolha entre a Palavra de Deus, que o sustentara durante toda a sua vida, e a palavra da sua mulher, que disse isso não porque não o amava, mas por não suportar mais vê-lo naquela situação. Sob todos os aspectos, uma escolha bem difícil. A segunda escolha de Jó foi entre a Palavra de Deus, que naquela hora de sofrimento e aflição estava lhe abrindo uma visão totalmente diferente da sua realidade, e a palavra dos seus melhores amigos, que representavam o melhor do pensamento piedoso e religioso de então. Se nós tivéssemos apenas os 37 primeiros capítulos do livro de Jó, consideraríamos os seus amigos os maiores heróis da Bíblia, porque é justamente assim que a maioria dos cristãos pensa: Se Deus castiga e chama para prestar contas, não é porque você o adora com todo o respeito, mas sim porque cometeu muitos pecados, e as suas maldades não têm conta. A terceira escolha é entre a sua consciência de justiça, de homem bom e que caminha na retidão e a sua concepção de um Deus justo. Jó é aquela pessoa que se encontra o exato ponto onde a justiça divina se choca com a consciência humana. É alguém que tem consciência plena da sua própria justiça, mas que se vê na terrível condição de ter que confrontá-la com a justiça de um Deus que ele tem a absoluta certeza de que é justo.

Para agravar mais ainda a situação, Jó vivia em uma época em que estava muito em moda uma doutrina chamada de “doutrina da retribuição”. Ela dizia algo assim: Se eu sou temente a Deus, ele me abençoa. Se não sou, Deus não me abençoa. Pode até parecer familiar, mas hoje em dia a coisa está um pouco mudada, não existe mais esse toma lá dá cá, hoje não tem mais isso não. Agora é primeiro dá cá, prova o teu poder, me acumule de bênçãos e prosperidade, aí, quando eu estiver plenamente satisfeito, se sobrar alguma coisa, toma lá. O mais interessante é que o próprio Jó era adepto desta doutrina, ele era tão supersticioso que fazia sacrifício por pecados que nem ele nem seus filhos haviam cometido ainda. Esta é forma que ele entendia que podia trocar a bênção de Deus por um tipo de conduta que julgava politicamente correta. Hoje nós temos muita gente na igreja que é ticiosa, não é? Ele não é SUPERticiosa, é apenas ticiosa. Quando muito, desvira um chinelinho ali, faz uma simpatiazinha que foi ensinada pela velha tia aqui, e vai levando a sua vida cristã vacilando entra a Bíblia e a superstição. É aquele tipo de cristão que acredita em tudo que as pessoas dizem pra ele e ainda teme o quarteto sinistro, vocês se lembram dele? (http://amosboiadeiro.blogspot.com.br/2012/04/quarteto-sinistro-i.html) É o pessoal ainda não sabe que o Cristo nos libertou de todas as coisas, inclusive de pagar estes micos e de passar por esses ridículos.

Exatamente por isso é que Jó teve fazer estas escolhas: entre as palavras da sua mulher, a palavra dos seus amigos, a palavra da sua consciência e a Palavra de Deus. Notem bem que sua mulher o amava para ainda estar com ele naquela tragédia real, que seus amigos eram sinceros, choraram com ele o consolaram em silêncio durante 15 dias. Que a sua consciência vinha funcionando bem ao longo de sua existência. Ele teve que dizer pra sua mulher: Olha mulher eu te amo e sei que você me ama, mas se você disser algo que contrarie a Palavra de Deus, eu vou ficar com a Palavra de Deus. Se você me mandar morrer, eu não vou morrer não. Ele teve que dizer para os seus amigos: Olhem aqui, vocês são gente boa, me consolaram, me apoiaram, choraram comigo, até aí tudo bem. Mas quando se vocês começarem a falar abobrinha sobre Deus, não vai dar pra gente continuar. Ele teve que dizer para a sua consciência: Você está errada, a questão aqui não é se eu sou justo ou não, a questão é que, se eu não entendo das coisas do mundo visível, como posso querer entender as do mundo espiritual?

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