Entre o bem e o bem

Agonia no Jardim, Andrea Mantegna (1431-1506)
Será que uma pessoa, por mais sábia que seja, poderia ser útil para Deus? Será que interessa ao Todo-Poderoso que você seja honesto? Que lucro tem ele se você é correto em todas as coisas? Se ele o castiga e o chama para prestar contas, não é porque você o adora com
todo o respeito, mas sim porque cometeu muitos pecados, e as suas maldades não têm contaJó 22.2-5
Eu queria pedir um favor nesse momento: que não tentassem responder a esta pergunta agora, e sim que fizessem uma viagem ao fundo da alma. Em queria pedir que você se lembrasse de quantas vezes esta pergunta lhe foi diretamente dirigida, que se lembrassem das muitas que, quando atravessamos um momento de crise, a nossa fé foi deste mesmo modo questionada pelas pessoas à nossa volta. Bom, se há alguém quer admitir não ter passado por situação semelhante, está simplesmente pretendendo ser melhor do que os salmistas, que por várias vezes lamentaram o questionamento da sua fé pela realidade em que viviam. No Salmo 42, por exemplo, ele confessa plenamente este seu dilema: As minhas lágrimas têm sido o meu alimento dia e noite, enquanto me dizem continuamente: O teu Deus, onde está?

Esta é uma situação dramática, mas é real, e é uma situação que frequentemente temos que vivê-la. Mas a nossa viagem não pode parar por aí. Para que esta viagem seja completa, nós vamos ter que entrar no porão mais escuro da nossa alma, naquele lugar que só nós mesmos podemos entrar. Quero pedir agora que vocês tentem se lembrar de quantas vezes, nós mesmos já fizemos esta pergunta. Será que Deus se importa comigo? Será que ele se importa com que estou fazendo? Que eu seja honesto, que eu seja correto? Será que Deus se importa com as minhas escolhas?  É justamente sobre isso que esta meditação, que eu pretendo que seja breve, nos conduzirá. Será que Deus se importa com as nossas escolhas?

Fazer escolhas sempre foi um problema sério na nossa vida. Nós já nascemos tendo que fazer escolhas. Ainda quando bebês, somos ensinados a escolher entre o pode e o não pode. Na adolescência aprendemos a escolher entre o certo e o errado. Mal ingressamos na maior idade, já temos que fazer a escolha entre o justo e o injusto. E alguns poucos que alcançam à maturidade racional se veem no dilema de escolher entre o que é ético e o que não é ético. Na vida religiosa não é diferente. Quando somos crianças na fé aprendemos a escolher entre o que é pecado e que não é pecado. Os mais antigos aqui hão de se lembrar de um quadro que tinha nas nossas casas que mostrava com detalhes a escolha entre o caminho largo e o caminho estreito. Mais tarde, com o amadurecimento de nossa fé, temos que fazer a escolha entre o que edifica e o que não edifica. Mas em algum momento da nossa vida nós somos chamados a fazer a mais difícil e traumática de todas as escolhas, uma escolha que em si é repleta de agonias e contradições, a escolha entre o bem e o bem. Isso mesmo, a escolha entre duas alternativas do bem. Alternativas estas que se nos fossem apresentadas isoladamente, faríamos imediatamente, com a mais profunda alegria. Mas que quando colocadas lado a lado, se revelam a mais terrível das questões das nossas vidas. Pois quando escolhemos uma, temos que abrir mão, desistir, abandonar completamente a outra. É a hora crucial da vida em que não dá para ficarmos com ambas de maneira alguma.

A Bíblia nos fala de algumas pessoas que tiveram que fazer escolhas deste tipo, e nos dá pistas da agonia em que se encontravam no momento exato de suas crises. Fala-nos, por exemplo, de Abraão, que teve que fazer a terrível escolha entre o amor ao seu filho e a obediência a Deus. Eu não quero entrar nos detalhes dessa narrativa, mas em uma análise superficial, a escolha foi realmente esta. Abraão se encontra na impossível decisão de escolher entre a vida do seu filho único e aquilo que ele entendia como obediência a Deus. Para que se tenha uma ideia da tensão que se estabeleceu entre pai e filho, naquele monte ficaram registradas as últimas palavras que ambos trocaram entre si. O apóstolo Paulo fez uma escolha semelhante. Na carta aos filipenses ele narra o desenrolar da sua agonizante escolha. Já cansado e fustigado pelos açoites, perseguições e prisões, seu corpo velho e debilitado exigia o descanso eterno, ele dizia: O meu desejo é partir e ir ter com Cristo, mas a sua consciência do dever cristão apontava em um sentido oposto: mas por vossa causa, filipenses, é necessário que eu permaneça vivo. Não sei o que escolher. Que situação, que escolha difícil esta de Paulo.

Mas nenhuma delas foi tão causticante quanto àquela feita numa noite de uma quinta feira no jardim do Getsêmani. Jesus queria mais do que qualquer coisa continuar o seu ministério de amor e de serviço. Havia tanta gente para ser liberta do mal, eram tantos excluídos que precisavam receber a notícia de que eles agora eram aceitos, havia ainda tanto que ensinar a Pedro, a Tiago e a João do que era feito o Reino de Deus. Como largar tudo isso para fazer uma determinada e específica vontade de Deus. Só este clima já bastaria para transformar esta escolha em uma situação mais penosa do que a tentação no deserto. Jesus tinha a certeza de que esta vontade do Pai, não somente poria fim ao seu ministério terreno, mas que fatalmente o levaria à morte. Foi exatamente isso que o fez suar sangue. A medicina moderna desbancou a doutrina que tachava de milagre este fenômeno. Hoje se sabe que pessoas submetidas a stress extremo, correm risco de sofrerem esta disfunção. É o fato que nos coloca inteiramente por dentro da real situação em Jesus se encontrava, quando teve que decidir entre as duas alternativas do bem. (continua)

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