Inverno da vida I

Martírio de Paulo, Teresa Groselj (??)
Leiam todo capítulo quatro da segunda carta de Paulo a Timóteo
Este talvez seja esse o último escrito de Paulo antes do seu martírio em Roma. Embora saibamos que ele pouco escreveu de próprio punho, provavelmente pela sua letra que não deveria ser muito boa, percebemos que algumas diferenças ressaltam quando a usa lemos algumas de suas despedidas. É sabido que ele se valia de alguns escribas que estes tinham características próprias, sendo que um deles até foi mais afoito que todos os outros. Quando se imaginava ser Paulo quem está escrevendo a carta aos Romanos, o escriba carimba o texto
dizendo: Eu, Tércio, que escrevi esta carta também vos saúdo. Mas especificamente esta carta, que parece encerrar o ministério ativo de Paulo, se torna uma espécie de procuração para Timóteo, transferindo-lhe a responsabilidade de continuar a sua obra missionária. Paulo está dizendo que pôs um fim ao corpo a corpo na evangelização, encerrou o seu ciclo de viagens missionárias, e agora faz uma autoavaliação, faz um balanço, puxa o extrato de toda a sua trajetória, desde a sua conversão no caminho da Damasco até a sua prisão em Roma.

Na intimidade desta carta ele descreve situações bastante familiares a todos nós. Fale de como pessoas foram e voltaram em sua vida, mostrando alegria para com aqueles que permaneceram e se eximindo de culpa pela deserção de alguns outros. Após tantos desencontros não teria sido válido perguntar a essas pessoas porque elas o abandonaram? É bem provável que Tito dissesse que Paulo é um chato, que exige tudo nos mínimos detalhes, e que não há quem o aguente. Só ficou com ele Lucas, quem sabe por interesses pessoais. Tinha dois livros para escrever, e estando com Paulo, tanto as informações precisas como o sucesso dos livros estariam mais que garantidos. Mas isso é especulação minha, não a levem em consideração.

Paulo também contabiliza fatos bastante positivos, como a sensação de dever cumprido, de uma carreira coroada de êxitos e de um fechamento zerado, como se fala em contabilidade quando as contas batem: Combati o bom combate, encerrei a carreira, guardei a fé. Contudo, apesar de um tom de despedida da carta, muito se engana quem pensa que Paulo está oficializando a sua partida ou escrevendo o seu próprio epitáfio, como se a sua morte natural estivesse prestes, e os seus últimos dias fossem apenas uma longa e interminável espera. Ele tinha a consciência das ameaças de Nero que pairavam sobre si, ameaças que se cumpriram, pois foi decapitado por ordem desse imperador não muito tempo depois. Embora pareça que ele esteja transferindo totalmente para Timóteo a responsabilidade da evangelização dos gentios, isso não fica suficientemente claro, pois logo em seguida mostra que a sua preocupação está ativa nas recomendações e advertências que faz ao seu sucessor.

Mas apesar de tudo ele tenta apegar-se a vida. Na verdade o que ele quer agora é sua vida de volta, a vida que tinha deixado para trás quando se tornou um missionário. Para isso começa a juntar os pedaços que foram ficando pelo caminho. Toda a longanimidade pregada nas suas mensagens, toda a paciência que sempre recomendava parece que nesta carta ficaram esquecidas. Agora ele quer tudo com pressa, tudo agora é urgente. Ele quer tudo antes que chegue o inverno. Para uma pessoa que já havia passado por tantos invernos, não seria próprio perguntar que inverno é esse? Seria o inverno, a estação mais fria do ano, quando precisava estar mais abrigado, ou o inverno da própria existência? A mim me parece que são os dois. Parece-me que a sua preocupação está dividida entre esses dois invernos. Um fato que nós podemos comprovar simplesmente analisando os três pedidos que ele faz a Timóteo. Eu gostaria de meditar rapidamente sobre esses pedidos.

Paulo pede que lhe tragam os rolos e especialmente os pergaminhos. Para mim, uma clara alusão às duas tradições de escritos que dispunha na época: os rolos que representavam o AT, e os novos escritos sobre a vida e Jesus, inclusive os seus. Escritos que muito provavelmente vieram a compor o que chamamos hoje de NT. Aqui Paulo mostra mais o seu lado racional, a sua personalidade objetiva. Mesmo tendo encerrado a carreira, ele agora quer ler mais, estudar mais, aprender mais. Ele não quer se desligar da razão e viver somente de emoção, de louvor e contemplação. Não quer viver só de lembranças. Ainda quer experimentar coisas novas, quer passar por novas experiências de fé. Mas ao querer isso, ele cria uma situação de conflito, porque a razão não gosta da emoção, e a emoção foge da razão. Enquanto que a reclusão enlevava a sua alma para o emocional, para a contemplação, para o êxtase e lhe abria os olhos para uma visão do paraíso;,ele permite que os livros o puxem para baixo, de volta à razão, de volta à realidade. E qual era a realidade que se apresentava? A preocupação com a pregação fiel e insistente da Palavra de Deus para combater aqueles que não suportam a sã doutrina. Que pelo contrário, desviaram-se da verdade, prenderam-se a mestres que pregam aquilo que desejam ouvir. Desse conflito Paulo nunca se livrou. Não há idade para se resguardar do confronto com a heresia e a falsa doutrina. É uma luta que não permite descanso, muito menos aposentadoria. Ele precisa dos livros para se manter como um reserva da sã doutrina, atento às más influências de certas modernidades. Os falsos mestres não paravam de criar, não paravam de inovar, e a justa medida para combatê-los só pode ser encontrada na Palavra de Deus. Ela é o único parâmetro que guia fielmente a vida do cristão. Não é o desejo, a necessidade de cada um ou mesmo um milagre de grandes proporções. Como bem disse Abraão Lincoln: A minha preocupação não é se Deus está ao meu lado, e sim se eu estou ao lado de Deus, porque ele está sempre certo.

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