O mistério que salva o pecador

O banquete de Simão, Peter Paul Rubens
Simão, o fariseu, convidou Jesus para jantar, e Jesus foi. A oposição dos fariseus a Jesus ainda não era tão forte. Havia naquela mesma cidade uma mulher de má fama, uma prostituta. Ela ficou sabendo da chegada de Jesus e foi ao banquete que estava sendo oferecido por Simão. Nada de
estranho nisso porque os banquetes eram públicos. Jesus estava à mesa quando a mulher chegou por trás e começou a beijar os seus pés molhá-los com suas lágrimas, enxugá-los com seus cabelos e perfumá-los com o perfume que trazia pendurado em seu pescoço. Só para dar uma ideia do que foi aquele ato, devemos nos lembrar de que a maior humilhação para uma mulher, na época, era ser vista com os cabelos soltos. Lavar e ungir os pés de uma pessoa era uma prática comum, mas beijá-los, não era não. Quando Simão viu esta cena ficou profundamente chocado, Jesus o tinha impressionado.

Simão tinha uma concepção de Jesus como sendo um profeta de Deus, talvez até mesmo o Messias. Então, como Jesus não se tocou de quem era aquela mulher e como era a vida de pecado daquela que estava tocando nele? E Simão começou a pensar: Como ele poderia ser profeta em Israel e permitir que tal coisa acontecesse na casa de alguém que abomina o pecado? Jesus o chamou e lhe contou uma parábola, a mesma que está escrita em Lucas 7. Dois homens deviam dinheiro a um terceiro. Um devia quinhentos mil e o outro cinco mil, mas ambos não tinham como pagar. O homem resolveu perdoar a dívida deles. Então Simão, qual dos dois ficou mais agradecido? O que devia mais, respondeu ele. Você está certo, disse Jesus, e virando-se para a mulher disse: Você está vendo essa mulher? Quando entrei em sua casa você não me deu água para lavar os meus pés, ela não parou de lavá-los com suas lágrimas e enxugá-los com seus cabelos. Você não me beijou o rosto quando cheguei, ela beija os meus pés desde que entrei. Você não me ungiu com óleo perfumado, ela derramou todo o seu perfume em mim. Por isso eu digo que o grande amor que ela mostrou é a prova de que ela já foi muito perdoada. Mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco amor mostra. Então Jesus disse a mulher: Seus pecados estão perdoados. Os que estavam sentados à mesa começaram a se perguntar: Quem é esse que até perdoa pecados? E Jesus insistiu dizendo: A sua fé salvou você. Vá em paz.

Certamente a confusão de Simão tornou-se completa. Como era possível aquele homem entender o que acontecera ali? Como alguém podia entender que Jesus tivesse se colocado inteiramente ao lado daquela mulher? Bem, pode ser que esta atitude seja de fácil entendimento para muita gente, mas nunca foi fácil para mim. Desde muito cedo me foi ensinado que Deus está do lado dos justos, porque são os justos que fazem por merecer a sua bênção. Essa é a justiça da lei. Mas neste confronto alguém que é considerado pecador, por si mesmo e pela sociedade, é colocado acima de quem é tido como justo. Simão ficou profundamente surpreso com a escolha de Jesus. Como ele pôde optar pelo pecador e colocar-se ao seu lado? E a minha pergunta é: Podemos nós entender alguma coisa do que aconteceu naquele confronto? Aos que responderam que não eu convido a tentar entender junto comigo.

Não podemos começar atenuando a gravidade da situação, achando que a pecadora não era tão pecadora quanto se dizia. Nada no texto nos induz a pensar desta forma. A pecadora era pecadora mesmo, ela era uma prostituta. Era chamada de pecadora por todos e se reconhecia como tal. Jesus conhecia bem a natureza humana, e é aí que está a grandeza da encarnação. Ele sabia que o pecado domina tanto as pessoas, produzindo insanidade e destruição de caráter, como domina a sociedade, produzindo a miséria espiritual e econômica. Mas nenhum conhecimento da natureza humana pode justificar a opção pelo errado. A nossa geração esta mais capacitada do que todas as outras anteriores. Conhecemos mais da natureza humana do que qualquer geração antes de nós, mas nem assim conseguimos justificar o injustificável. O errado é errado em qualquer época. O pecador é pecador em qualquer época.

No nosso texto a mulher é chamada de pecadora, assim como Simão era chamado de justo. Da mesma forma não podemos pensar que Simão não era tão justo quanto ele achava que era. Ele era um bom homem. A sua falta de amor para com Jesus não provinha da sua falta de retidão. Jesus disse que ela nascera do fato de que pouco lhe era perdoado. A retidão de Simão não era algo fácil de alcançar. Custou-lhe muito domínio sobre si mesmo, muita disciplina durante muitos anos. Custou-lhe muita abnegação, e nada disso é fácil. Por isso temos que ter cuidado de não desprezar aqueles e aquelas que se esforçam para serem retos. E nós temos feito justamente isso. Na tradição cristã os fariseus se tornaram a representação de tudo que é feio e mau. Quando queremos dizer que alguém é hipócrita, o chamamos de fariseu. Mas era justamente o oposto. No seu tempo eles eram os bons. Eles eram os evangélicos do seu tempo. Temos que admirar o quanto esse homem levou a sério as suas obrigações morais e religiosas, ele era um grande conhecedor das escrituras e fiel cumpridor dos seus mandamentos.

Os pecadores são chamados de pecadores e os justos são chamados de justos com toda a seriedade. Nós temos que assimilar muito bem este fato para podermos entender a força e a profundidade da ação revolucionária de Jesus Cristo. Jesus toma sobre si a causa do pecador e a confronta com o justo sem negar a validade da lei, e aqui temos um mistério. É o mistério do paradoxo do evangelho. É o mistério do poder libertador de Cristo. O mistério que salva o pecador. Eu espero que possamos ver ainda que de relance este mistério analisando este texto, mas isso fica para outro dia.

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