Os pães da criança

Multiplicação dos pães, Lambert Lombard (1505-1566)
Leiam João 6,1-13
Este sermão foi feito para ser pregado no culto de batismo do meu neto.

Alguém pode achar estranho que um texto que fala da multiplicação dos pães seja apropriado para um culto de celebração de batismo infantil. Mas este é o texto que coloca a criança em evidência, senão no maior, pelo menos no mais testemunhado milagre de
Jesus. Um texto que não deixa dúvidas quanto à importância que a criança tinha para Jesus e para o Reino de Deus. Ainda bem que João teve mais cuidado que os outros evangelistas em detalhar esse particular em seu evangelho, pois não omitiu a participação da criança como fizeram os demais. Se não fosse ele estaríamos dando crédito dos pães a um dos apóstolos, porque é assim que esse trecho e apresentado nas outras versões. O texto de João vem nos mostrar claramente a importância que a criança tem no ministério de Jesus, mas que, infelizmente, quase nunca foi levada em conta.

Por duas vezes é relatado um Jesus enfurecido, cuspindo marimbondo, como dizemos na gíria. Uma, quando os cambistas estavam mercantilizando a fé, e logo na casa do seu Pai. E a segunda, foi quando mexeram com as suas crianças. Ele falou apenas isso: Se alguém escandalizar um desses meus pequeninos, que creem em mim, é melhor esse alguém pendure uma pedra bem grande no pescoço e se atire no fundo do mar. Mas ainda assim não irá escapar. Isso nos dá uma pálida ideia do valor que Jesus dava à participação infantil no seu ministério. Então, seria bom que começássemos a valorizar a criança antes que tenhamos que procurar as tais pedras grandes.

O evangelho de João, diferentemente dos outros que mostram Jesus correndo de um lado para o outro, narra um Jesus que tem tempo para dialogar com uma mulher à beira de um poço, mostra Jesus em longas conversas com fariseus. E, no caso em questão, mostra um Jesus, que mesmo cercado por uma enorme multidão, mesmo quando prestes a realizar o mais poderoso prodígio do seu ministério, a instantes do mais evidente sinal da sua messianidade, para tudo e dá atenção a uma criança e à sua singela e praticamente inexpressiva oferta de cinco pães e dois peixinhos.
Parece que Jesus quer dar um calaboca definitivo na nossa eterna tentação de achar que quando estamos diante de realizar algo grandioso, as pequenas pessoas e as pequenas coisas podem ser omitidas e deixadas de lado. Para Jesus é o contrário, a multidão pode esperar, a fome pode esperar, o milagre que pode esperar, mas a criança não. Esta não pode ficar jamais para depois de coisa alguma. Jesus tem o cuidado de no seu milagre definitivo incluir um simples gesto de uma pessoa tão simples que sequer estava sendo contada no meio daquela multidão. É verdade, os evangelistas só contaram cinco mil homens; mulheres e crianças, que deveriam ser, como sempre são, a maioria, ficaram de fora. 

Mas o texto vai nos mostrar que não estamos tratando de uma criança qualquer. Ele vai nos revelar quem era e como era aquela criança, o que ela tinha de tão especial, e o porquê dela ter sido inserida com destaque na gloriosa história da salvação. A narrativa começa contando que Jesus atravessou o mar, e a criança foi atrás; que Jesus subiu a montanha, e a criança subiu também; que grande multidão seguia Jesus por onde ele fosse, e lá ia o garoto junto. Não parece atitude de uma pessoa que seguia Jesus por necessidade de ser curado urgentemente de alguma moléstia. O texto, pelo contrário, dá a entender que é uma criança bem saudável. Acompanhar Jesus nas suas peregrinações não era coisa muito fácil nem mesmo para um adulto, aliás, acompanhar Jesus sob qualquer aspecto nunca foi nada fácil, o próprio Jesus advertia os seus discípulos quanto a isso. Certa vez ele disse a um adulto jovem e culto que manifestou o desejo de acompanhá-lo: As raposas têm seus covis, as aves dos céus, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça. Isto quer dizer que Jesus tinha hora para sair, mas não sabia a hora que ia voltar, ou mesmo sabia se ia voltar. Foi o suficiente para que muitos mudassem de ideia. 

Quando aconteceu o boom das camisetas com mensagens evangélicas, eu gostava particularmente de uma que dizia: “andar com Jesus no peito é fácil, difícil ter peito de andar com Jesus”. Era realmente preciso estar preparado para caminhadas longas, atravessar lugares desertos e encarar subidas íngremes. Se isso era difícil para um adulto, imaginem o quanto não foi difícil para este garoto. Para o bem da verdade, o texto fala de uma criança em idade escolar. Não diz se é um menino ou uma menina, e também não insinua ser alguém autossuficiente, pronto para a fase adulta, mas a descreve como alguém que ainda inspirava cuidados, atenção e orientação. Mas que esta era uma criança bem preparada e bem cuidada não temos a menor dúvida. É só observarmos o lanche que ela trazia: cinco pães e dois peixes. Não eram cinco desses pãezinhos que estamos acostumados a comprar nas padarias, eram pães de cevada, feitos cuidadosamente em casa, e cada pão daqueles era grande o suficiente para a refeição de uma família. Da mesma forma, não devemos pensar também que se tratava de dois peixes frescos, que precisariam ser cozidos ou assados na hora, como é idiotamente retratado nos filmes. O texto grego fala que é uma deliciosa iguaria feita com peixe, devidamente elaborada para resistir ao calor e ao tempo, algo que não se estragasse facilmente. Quando se toma conhecimento do que foi “lanchinho”, só se pode concluir que é coisa de mãe mesmo. Só mãe tem esses exageros, sai para ir à praia, mas leva casaco, guarda chuva e mesmo sabendo que vai almoçar fora, carrega biscoito para três dias.

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