Um Deus esbanjador (final)

O filho pródigo entre os porcos,
Albrecht Dürer (1471-1528)
Caindo em si pensou: Quantos trabalhadores do meu pai tem comida de sobra e eu estou aqui morrendo de fome? Esta simples frase nos diz textualmente que o filho pródigo viu a si mesmo, viu o estado em que se encontrava, viu quem ele foi e quem ele era. Isto não é nada fácil, olhar a si mesmo com toda honestidade, olhar para dentro de nós mesmos com franqueza e profundidade. Eu não sei até que ponto nós podemos realmente fazer isso. Estamos sempre nos cercando de justificativas, de desculpas e engendramos todo um processo de autodefesa que fica muito difícil, através disso tudo, olharmos a nós mesmos e
enxergamos como somos de fato. Isso é uma coisa que dói tanto que eu e você evitamos ao máximo fazer conosco. Mas o rapaz fez. Uma coisa é certa: somente quando conseguimos ver como realmente somos é que conseguimos ver o que poderíamos ser. Vendo como somos neste exato momento, nós podemos ver o que podemos nos tornar. Vendo como somos é que nós podemos vislumbrar o que poderíamos vir a ser.

É exatamente isso o que a terra distante tem a nos oferecer. Isto é tudo o que podemos esperar da terra distante. Mas este é um dom que nunca é esperado. Somente quando estamos por inteiros na terra distante é que conseguimos enxergar o que temos feito com o dom da vida quando ela é vivida completamente independente e alienada de Deus. Porque eu estou vivendo deste jeito? Como é que eu consigo ser tão idiota? O mais humilde empregado do meu pai vive muito melhor do que eu estou vivendo. Qualquer pessoa dentro da sua propriedade come uma comida melhor e se sente muito mais abrigada do que eu aqui nesta terra distante. Eu vou voltar lá e dizer para ele: Pai eu pequei contra o céu e contra o senhor. Já não sou digno nem de ser chamado de seu filho. O que eu peço humildemente é que o senhor me trate como um empregado qualquer.

Notem bem que o pai não foi atrás dele naquele país, o pai não foi até o chiqueiro em que ele se encontrava. O pai permitiu a vergonha, o pai não o livrou daquela sensação de desgraça total. Ele não tentou pegar o seu filho pela mão para resgatá-lo da cruel realidade daquela terra. Ele não fez nada disso. Aqui está o amor esbanjador novamente. Estou sempre escutando pessoas me perguntarem assim: Deus realmente nos manda dificuldades? Deus realmente nos assalta nas encruzilhadas da vida com vergonha e desgraça?  E eu respondo: você acha que ele precisa fazer isso? A vida que nós levamos já não nos envergonha o suficiente? Os pecados que cometemos já não nos trazem desgraças em abundância? Mas logo que aparece a menor dificuldade nós gritamos logo: Deus, o que significa isso na minha vida? Por que eu estou passando por todo esse sofrimento? E Deus tão pacientemente está lá nos esperando para nos fazer refletir sobre uma outra pergunta: Deus, o que é que está acontecendo comigo? Que significado tem essas coisas na minha vida? O que o Senhor está querendo me fazer ver? O que tem de errado que o Senhor quer me mostrar?

Assim como o filho pródigo, às vezes caímos em nós mesmos. No caso dele, foi a fome que o obrigou a voltar, mas dentro de cada um de nós existe uma fome que nem toda a comida do mundo jamais conseguirá satisfazer. Esses problemas da nossa vida não são exatamente os problemas que temos, eles são apenas o resultado da nossa condição básica. O que acontece ao redor de nós, as dificuldades, as vergonhas e as desgraças, nos obriga a abrir os olhos e reconhecer o que está acontecendo dentro de nós. Vida sem Deus simplesmente não é vida.

Eu ainda quero dizer mais uma coisa sobre o amor esbanjador de Deus. A parábola nos fala desse amor esbanjador que está sempre nos esperando cada vez que voltamos para o Pai. Ele tem estado esperando. Ele tem os olhos fitos naquela estrada que leva à terra distante. Ele tem estado ansioso por nós. Então veja como está Deus hoje. Veja justamente isso: ele é o pai que vê o filho perdido de longe e corre para encontrá-lo. Coitado daquele velho, ele já não podia correr tão depressa para abraçá-lo como gostaria. As suas pernas já não aguentavam mais acompanhar a agonia de seu coração repleto alegria por receber aquele filho que voltava ao lar. De tudo o que você já ouviu sobre Deus, tenha certeza de uma coisa: Deus sofre para nos ter de volta, mas o menor sinal de fé, a mínima intenção do nosso retorno ou a nossa mais sutil resposta, desatrela o seu imutável e incomensurável amor por nós. Podemos crer nisso? Neste exato momento o seu Deus, o meu Deus está correndo para nos abraçar para nos dar tudo o que fomos buscar longe dele.

Quando o rapaz ainda estava longe de casa, o pai o avistou. E, com muita pena do filho, correu, e o abraçou, e beijou. O pai o sufocou com tanto amor que ele nem conseguiu acabar o seu discurso tão bem ensaiado lá no chiqueiro. O pai nem o deixou confessar o seu pecado. O pai não resguardou o seu amor por um tempo para ver se o filho estava a ponto de merecer esse amor. O pai não esperou para ver se ele tinha se tornado bonzinho. Ele não esperou para abraçá-lo até que o filho estivesse à sua altura. Aqui está o evangelho todo em miniatura: o favor não merecido, o perdão concedido antes que o peçamos e amor esbanjador que sem exitar gasta tudo para nos resgatar do chiqueiro, para nos ter de volta.

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