As bem aventuranças

Sermão do monte, Carl Heinrich Bloch (1834-1890)
Uma página singular nos evangelhos é a que descreve em rápidas palavras o discurso que Jesus, segundo Mateus, dirigiu às multidões no início do seu ministério e que ficou conhecido como Sermão do Monte.  Embora existam controvérsias entre os estudiosos sobre se as bem aventuranças foram ditas todas na mesma ocasião ou se esta é uma coletânea de mensagens de sermões isolados, ninguém duvida que se trate de palavras autênticas de Jesus. Contudo,
nem mesmo assim ficaram totalmente livres da interpretação pessoal dos seus narradores. Se Mateus as coloca com tom de otimismo como se elas fossem “o programa da felicidade cristã”, Lucas as vê como advertências a prováveis desgraças. Mas ambas as interpretações longe de serem excludentes se completam, indicando o que Cristo quis que fossem para nós as marcas das virtudes de uma vida cristã plena. Nisso elas se completam para que se faça conhecido o sentido exato que Jesus as deu, pois neste sermão ele as colocou condições que leva à cidadania no Reino através de dois elementos paradoxais.

Para Mateus, Jesus se utiliza de termos impessoais, generalizando as bem aventuranças a todos as pessoas que se enquadrarem nelas, independentemente da sua ligação com o discipulado cristão, do seu credo e da sua nacionalidade, sendo que esta última, naquela época, determinava a viabilidade da salvação. Com exceção dos versos 11 e 12, onde ele declara que a verdadeira alegria está na perseguição injusta e injuriosa daqueles e daquelas que ousam pregar a sua mensagem com fidelidade e ousadia, todas as demais bem aventuranças são impessoais. A bem aventurança da pobreza de espírito, do coração puro, da fome de justiça, dos que choram, dos que são mansos, dos pacificadores e dos perseguidos por causa da justiça vem acompanhadas de promessas de recompensas futuras, em ordem e valor iguais às perdas momentâneas que acarretam este compromisso.

Para Lucas que fala na segunda pessoa estas mesmas palavras, as bem aventuranças tem antes de tudo um sentido de consolação dirigido às pessoas que vivem em estado digno de compaixão. Estes são os pobres, os famintos, tristes, odiados, tornados mansos pela força que receberão bênçãos bem maiores do que as suas perdas, pois os que choram, não serão apenas consolados, mas irão rir, enquanto os que são ricos, os que estão fartos e os que estão felizes com a situação vigente, verão o seu estado atual se reverter drasticamente.

Ambas as formas, seja a catequética de Mateus ou a sapiencial de Lucas, expressam integralmente que a plenitude da realização do ideal messiânico idealizado pelo profeta Isaías já se faz presente Jesus, e que o novo tempo que o Messias se propõe a trazer já se pode notar. Os pobres e famintos podem aguardar esperançosos porque a sua salvação está prestes. O que não pode e não deve passar em branco é o contexto dos evangelistas, pois o texto pode muito bem ser traduzido para o nosso contexto como sendo uma exclusão sumária às pessoas que tem posses e são felizes hoje, inviabilizando para elas a salvação. É justamente aqui que devemos nos lembrar de que a felicidade de muitos infiéis era um problema enorme para a fé da igreja que atravessava uma fase de extrema carência. De todas as formas o texto não pode ser interpretado como que promovendo uma inversão total da ordem econômica, onde aqueles que são abastados passarão fome no além. Em contrapartida, os que agora são necessitados herdarão as suas fortunas. O texto quer propor aos seus leitores um ideal ético, exortando todos nós à busca da perfeição.

Sabemos que há outras bem aventuranças que não estão incluídas nas listas desses evangelistas. Maria, por exemplo, é bem aventurada por ter sido escolhida para dar à luz o Salvador. Mas no balanço final haveremos de constatar que a grande bem aventurança é o próprio Cristo. Pois nele está concentrado todo o ideal de vida, assim como o caminho para a paz e a felicidade. A despeito de tudo o que está sendo pregado hoje em dia sobre bênção e felicidade, ainda nos fala bem alto as palavras que o apóstolo Paulo escreveu aos colossenses no capítulo 2 desta carta: Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade.

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