Crer para ver ou ver para crer? II

Respondeu-lhe Jesus: Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus? João 11.40
Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram. João 20.29
Jesus mostra suas chagas, Martin de Vos (1532-1603)
Existe, no entanto, paralelo ao universo dos cristãos convictos de serem bem aventurados, o submundo dos que querem ver para crer. Aqueles que tem um estilo de vida bem mais complicado e muito mais inquietante. Este mundo é habitado por aqueles que possuem uma fé investigativa, que procura saber, que não se contenta com o imediato, com as coisas prontas e nem com as que já foram muito experimentadas. Esta era, por exemplo, a fé dos bereanos, que ao lidarem com um conhecimento de Deus totalmente novo, foram investigar se tudo aquilo encontrava respaldo no passado, ou seja, foram distintos dos tessalonicenses juntamente porque foram ver para crer. Esta também era a fé de Jó após a sua conversão, posto que antes, quando tinha fé nas coisas que ouvia a respeito de Deus, cultivou uma fé burguesa, barganhadora e supersticiosa. Na sua conversão Jó viu, e assim então pôde crer verdadeiramente.

Jó, mais do que qualquer outro herói da fé antes dele, precisou ver, e pagou um alto preço para isso, para depois então crer. Esta é a fé dos que andam sobre o fio da navalha, daqueles, que como Jó, vão até as últimas consequências para ver aquilo que faz ser diferentes, que não ficam apenas na contemplação dos fatos e acontecimentos, pois são estes os inquietos e inconformados que fazem as coisas mudarem.

Não temos como negar que muito do avanço do conhecimento humano, seja na área tecnológica, ou na área das ciências humanas, se deve exclusivamente àqueles ou àquelas que um dia ousaram a perguntar por quê. As áreas que militam o autoconhecimento, como a teologia, não tem como escapar desta sina. Certa vez ouvi entristecido um seminarista que estava quase se formando, orgulhosamente dizer que nunca havia tido uma única crise sequer na sua fé enquanto fazia seu curso de teologia, e a única pergunta que pude lhe fazer foi se ele tinha certeza de que havia estudado teologia naquele seminário. Isto nem foi o mais grave, já ouvi outro dizer que se formara sem nunca ter lido completo qualquer livro, nem a Bíblia. Ele hoje é pastor de uma igreja grande e caminha a passos largos para se tornar bispo.

Logicamente que muitos desvios a fé do ver para crer igualmente possui, mesmo porque o conhecimento cedo encontra os seus limites, enquanto que a fé sobrepuja a todos quantos lhe são propostos. Não existe uma maneira de conhecimento e fé andarem por muito tempo juntos. Vamos encontrar por quês na nossa vida que nunca encontrarão resposta no intelecto. Há de chegar a hora em que a investigação tem que dar lugar à confiança irrestrita, em que a fé deve se entregar ao desconhecido e dar o seu inevitável salto no escuro. Temos que nos lembrar de também que até mesmo os maiores revolucionários que o mundo conheceu, interrompiam as suas lutas para procurara em seus portos seguros momentos de aconchego. Hernesto Guevara de la Serna, conhecido por todos como Che, expressou muito bem esta necessidade latente quando disse: Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.

Ver para crer é ter uma fé muito mais inquietante do que simplesmente aguardar o desenrolar dos acontecimentos para tomar uma decisão ou ter uma postura. É viver a agonia eterna do já e do ainda não caraterísticos do Reino de Deus. Talvez seja justamente este o ponto que os faz não tão bem aventurados, pois a estes, até o próprio descrédito espanta, pois bem disse Bertand Russel: O problema todo com o mundo é que os tolos e fanáticos estão sempre tão certos de si mesmos, enquanto que os mais sábios estão sempre cheios de dúvidas. (continua)


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