Pedro, tu me amas? I

E perguntou pela terceira vez: — Simão, filho de João, você me ama? Então Pedro ficou triste por Jesus ter perguntado três vezes: “Você me ama?” E respondeu: — O senhor sabe tudo e sabe que eu o amo, Senhor! E Jesus ordenou: — Tome conta das minhas ovelhas. Leia João 21.1-17
A pesca maravilhosa, Raffaello em 1515
Simão Pedro precisava entrar em contato com os seus sentimentos. Sentado à beira da fogueira à margem do mar da Galileia, não estava participando, como os outros, da alegria de ter Jesus de novo entre eles. Os outros discípulos estavam rindo, brincando, comendo e bebendo. Provavelmente também relembrando os bons momentos que tiveram com o seu Mestre. Mas não era desse jeito com Pedro. Ele mal podia olhar Jesus nos olhos. Uma dor profunda bloqueava a sua alegria. Uma depressão mental que vinha crescendo há semanas, e agora estava pronta para derrubá-lo de vez. Qual era a causa? Esgotamento físico, medo de ser preso, incerteza quanto ao futuro, ou a memória vergonhosa do que ele fez naquela noite em que Jesus foi preso e torturado?


Pedro não podia lidar com o fato da sua negação covarde, e como poderia? Como ele iria viver com o que ele fez? Ele tinha que esquecer, ele tinha que bloquear, mas seus esforços eram em vão. Ele jamais iria apagar aquilo da sua mente. Aquele lugar não o deixaria esquecer. Foi lá que fez a melhor pesca da sua vida, foi lá que recebeu o glorioso chamado para acompanhar Jesus, foi lá que deixou tudo para trás e abraçou a verdade do Reino. Lembrou-se também de quando foi o primeiro a identificar Jesus como o Filho de Deus, e, por isso, recebeu as chaves do céu. Pedro logicamente se lembrou também do juramento que fez na última ceia de jamais negar o Mestre. Realmente ele cumpriu com o que disse, não negou Jesus uma vez, o negou três vezes. Não teria sido por isso que ele tentou voltar à sua vida antiga? Ele já sabia que Jesus estava vivo quando isso aconteceu. O problema é que ele não se sentia mais digno de segui-lo, por isso voltou para a Galileia. Voltou para tentar se esquecer de Jesus, mas Jesus não se esqueceu dele. Voltou ao lugar que o tinha encontrado para chamá-lo de novo.

Jesus foi bastante amistoso quando saldou os discípulos, mas Pedro não podia responder porque era um prisioneiro da sua mente perturbada. Havia uma distância entre eles, e essa distância estava no coração não perdoado de Pedro. Ela se manifestou mais claramente no silêncio que se fez após a refeição. Mas Jesus quebrou o silêncio, eliminou a distância e perguntou: Você ainda me ama mais do que estes outros? Eu imagino o quanto essas palavras devem tem dilacerado o  já ferido coração de Pedro. Elas eram a reedição do seu juramento na ceia quando disse: Os outros podem abandoná-lo, mas eu não. Jesus rememorando o que ele havia dito, pergunta-lhe: Você ainda me ama desse jeito? Esse foi o tratamento de choque que Jesus usou para quebrar a barreira de remorso que bloqueava o relacionamento. Nada poderia ter tocado na ferida aberta de Pedro mais do que esta pergunta: Você ainda me ama desse jeito? Você ainda me ama mais do que os outros?

Pedro estava sofrendo demais para responder com um simples sim ou não. Ele sabia como ninguém o que era ser indigno do Senhor, indigno do seu amor, indigno de ser seu apóstolo. Por isso ele imagina: se Jesus não pode mais amá-lo, quem sabe, então, poderia ser seu amigo? Quem sabe a amizade não poderia dar certo? Por isso ele respondeu: Tu sabes que eu sou teu amigo. Novamente o silêncio se fez presente. Jesus voltou à carga: Tu me amas realmente? Aí a situação se complicou mais ainda para Pedro. Amar mais do que alguém que não ama muito é fácil, mas amar de verdade é bem mais complicado. O que Jesus está tentando fazer com ele? Parece uma crueldade. Desta vez a pergunta mexeu com emoções ainda mais profundas. Isso trouxe à tona um sentimento ainda mais forte do que a amizade que ele estava propondo a Jesus, e a lembrança das boas experiências que tivera com Jesus fez com que ele respondesse com mais confiança: Tu sabes que eu sou teu amigo. Silêncio de novo.

Como nas duas vezes anteriores a pergunta de Jesus era sobre amor, e Pedro cautelosamente evita essa palavra respondendo sobre a amizade. Ele não podia mais admitir a palavra amor, ele não podia mais admitir ser amado neste relacionamento, e o que ele tinha de melhor a oferecer era a amizade. O grego permite esse recurso. Há pelo menos três palavras que são traduzidas por amor. Jesus, então, muda o sentido da terceira pergunta: Pedro, tu és mesmo meu amigo?  É aí que Pedro fica sem o mínimo que ainda achava que possuía, e nada mais lhe resta senão apelar para aquele feeling que ele sabia que era forte em Jesus: Tu sabes todas as coisas! Tu sabes que eu te amo!

Isso quebrou todas as barreiras, aniquilou todos os remorsos, anulou todas as fronteiras. Lágrimas caíram de seus olhos. Ele soluçava incontrolavelmente. Jesus havia finalmente rompido o selo de autocondenação que lacrava o seu coração. Finalmente ele podia levantar seus olhos e encarar o seu Senhor. Amor e perdão fluíram de onde antes só havia culpa e ressentimento. Jesus sabia que podia confiar naquele coração, pois agora o havia conquistado para sempre, por conta dessa certeza confiou a Pedro o seu bem mais precioso: Apascenta as minhas ovelhas. (continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...