O rico não ouvia Lázaro

Então, replicou: Pai, eu te imploro que mandes Lázaro à minha casa paterna, porque tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de não virem também para este lugar de tormento. Respondeu Abraão: Eles tem Moisés e os Profetas; ouçam-nos. Mas ele insistiu: Não, pai Abraão; se alguém dentre os mortos for ter com eles, arrepender-se-ão. Leia Lucas 16.19-31
Morte de Lázaro e do homem rico, 
iluminura dos Sermões de Maurice de Sully (1320)
Enquanto os povos vizinhos tinham seus magos e encantadores que assombravam a todos com seus feitos sobrenaturais, a Israel foi enviado profetas, munidos tão somente da Palavra de Deus sem qualquer poder místico ou sobre humano. Enquanto as nações se curvavam diante de visões extraordinárias, Israel era desafiada a ouvir apenas.

Alguns teólogos afirmam serem três e não dois os principais mandamentos. Dizem também que este terceiro mandamento é crucial para que se cumpram plenamente os outros dois. Diz o Deuteronômio 6.5: Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Este é o primeiro grande mandamento, e o segundo pode ser encontrado no Levítico 19.18b: Mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Antes, porém, de promulgar estes dois mandamentos e colocá-los como os principais, Deus dá uma ordem definitiva: Ouve, Israel. Sem antes ouvir o que Deus tem a dizer, nada mais pode ser feito depois.

O mandamento que determina que Deus seja ouvido antes era fundamental também na educação das novas gerações. O que Deus tem a dizer é sempre atual e sempre pertinente: Dt 6.6 - Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Quando Israel não obedecia a voz de Deus e declinava da bênção de ouvir, se perdia enganada pelos encantamentos e superstições dos outros povos.

Era exatamente essa a posição em que se encontrava o homem rico da história de Lázaro.  A despeito da narrativa indicar que o caminho da salvação passava pelo simples ato de ouvir, ele ainda preferia continuar confiando nas visões do extraordinário. Esta é uma realidade bastante presente entre nós, inclusive na igreja. Parece que os púlpitos das igrejas cristãs se transformaram em grandes palcos de apresentação de milagres e prodígios, sem o que, nada do que se diz dali de cima tem valor. As pessoas até se dispõem a ouvir, mas não sem antes ver coisas milagrosas acontecerem. O home rico tinha Moisés e os profetas, nós além deles temos Jesus e os apóstolos, mas ainda assim permanecemos no ranço que querer ver antes de ouvir.

Por que as pessoas sempre preferem acreditar no sobrenatural? Por que motivo o homem rico imaginava que Lázaro, depois de morto, se apresentasse diante dos seus cinco irmãos com a sugestão de ouvir a voz de Deus, seria suficiente para que eles obedecessem, se convertessem e fossem salvos? Uma coisa é certa: ele conhecia bem os irmãos que tinha. O homem rico sabia que, assim como ele, os irmãos não ouviriam a voz de Deus proferida por Moisés e pelos profetas. Ou seja, ele conhecia o caminho da salvação, apenas achava que este caminho poderia ser encurtado ou mesmo aplainado, caso fosse precedido de um milagre ou feito sobrenatural.

Lázaro gritava por socorro à sua porta. Seus gemidos chegaram ao trono de Deus nos céus. Mas isso não foi suficiente para chegar aos olhos e ouvidos do rico. Não foi o bastante para que ele convertesse o seu coração. O rico insistia por manter as suas esperanças depositadas na boa vontade de um morto que surgiria de algum lugar imaginário e viria para refrescar a sua alma sedenta. Acreditava que um milagre pudesse apagar a omissão de uma vida inteira.

Os Lázaros continuam gemendo e, sem atendimento, continuam morrendo à nossa porta. Porém, insistimos em não vê-los e em não ouvi-los. Por tudo isso é que “O rico e Lázaro” é mais do que uma antiga narrativa cuja origem ficou perdida no tempo, é uma história atual e universal. Mais do que se tornar um santo de uma igreja; mais do que se tornar uma lamentável vítima do descaso; mais do que ser uma denúncia contra a desigualdade humana, Lázaro foi, é e sempre será o ponto de cisão entre aqueles que ouvem a voz de Deus e aqueles que preferem acreditar antes no sobrenatural. A história do rico e Lázaro é tênue linha que nos separa da obediência a uma voz profética, dos apelos enganosos dos tantos encantadores e magos que proliferam em nosso tempo e, infelizmente, também em em nossos templos.

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