Inverno da vida III

Paulo e Barnabé, Ir. Teresa Groselj (??)
Leia II Tm 4
Mas Paulo ainda pede uma última coisa. Ele pede que lhe tragam Marcos. Aquele mesmo João Marcos com quem teve problemas na sua segunda viagem missionária. Enquanto Barnabé insistia para que Marcos fosse com eles na segunda viagem, Paulo dizia que não, porque Marcos os havia abandonado na primeira viagem, na Panfília. A discussão foi tão violenta que os dois se separaram, Barnabé foi com Marcos e Paulo levou Silas. Paulo era assim mesmo, meio pavio
curto. Nós podemos observar muita coisa que Jesus aturou que Paulo não aturaria não. Principalmente aquelas pessoas que chegavam para Jesus para pedir cosias básica, que dependiam exclusivamente delas mesmas. Se fossem pedir a mesma coisa para Paulo ele diria na cara delas: Vai trabalhar vagabundo! Paulo também era implacável contra certos adversários. Quanto ao tal latoeiro que lhe fez mal, ele disse: Pode deixar que Deus vai cuidar bem dele. Para os corintianos, como último recurso, ele diz de uma pessoa que estava perturbando a ordem naquela igreja: Entreguem esse homem a Satanás.


O problema maior é que aqui nas cartas a Timóteo ele não manda dizer não, ele fala pessoalmente. Sobre um tal de Alexandre e um tal de Himeneu, ele diz: Esses eu já entreguei a Satanás. Pode parecer estranho um cristão falar uma coisa dessas, aliás, eu nunca me atreveria a falar algo parecido. Mas foi Paulo quem disse, e eu não me sinto capaz de julgá-lo não. Se alguém quiser contestar Paulo, é bom que antes leia o que Jesus disse que pelos frutos conheceríamos aqueles que são seus discípulos, e os frutos de Paulo são incontestáveis. Não sei se o cristianismo vingaria, como vingou, senão tivéssemos um Paulo. Nós somos fruto do seu trabalho. A igreja, tal como a conhecemos hoje, livrou-se do judaísmo e de ser mais uma seita judaica graças ao seu trabalho entre os gentios. Por tudo isso fica difícil para nós entender essa personalidade, sei lá, vingativa e impaciente de Paulo.


Mas é certo também que ele tinha a capacidade de voltar a trás, de reconhecer o verdadeiro valor das pessoas, e de admitir que elas podiam mudar. Por isso ele quer de volta João Marcos. Mas do simplesmente querer a volta de João Marcos, Paulo agora mostra a sua necessidade de amigos. Tanto os amigos que colaboraram, quanto os amigos que criaram obstáculos; tanto os amigos que o confrontaram, quanto aqueles que o apoiaram; tantos os amigos de sempre, quanto os amigos que foram ficando pelo caminho. Agora ele os quer todos de volta. Não como críticos, não mais como o colaboradores, mas somente como amigos.


Da necessidade de ter amigos no inverno da vida nem mesmo Jesus escapou. Quando sentiu que o seu fim era iminente, Jesus chegou para as pessoas que acompanhavam há muito tempo e disse: Já não chamo vocês de servos, porque o servo não sabe o que seu patrão faz. Eu chamo vocês de amigos, porque toda a minha vida e tudo que aprendi do meu Pai, eu fiz com que vocês ficassem sabendo. Paulo repete estas fases dizendo: Para vocês eu não sou mais o apóstolo Paulo, e nem João Marcos mais meu discípulo. Tanto ele quanto vocês agora são meus amigos. Toda a divergência, todo confronto, todas as sequelas do nosso relacionamento ficaram pra trás. Tudo isso que aconteceu no calor da batalha, na hora em que a intransigência se fazia necessária, agora eu preciso de vocês como amigos. Paulo estende a mão num sinal de fragilidade: Eu preciso de vocês meus amigos. Nós já quebramos o pau, mas sem vocês esse inverno vai ser insuportável. Sem a sua volta, de que me adianta a capa? Eu vou ficar abrigado, mas sozinho. Sem a sua presença na minha vida, de que me valem os livros? Eu vou apenas falar sozinho


Eu queria terminar dizendo que não consigo imaginar que o compositor popular Zé Rodrix não tivesse na cabeça esse trecho da carta de Paulo quando compôs Casa no campo. As semelhanças são muito óbvias para não serem percebidas. E é como um tributo a Paulo, a mais essa pérola que ele nos deixou no final do seu ministério ativo que eu uso a letra dessa música para encerrar essa meditação.


Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais


Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais


Eu quero carneiros e cabras pastando solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos, meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão a pimenta e o sal


Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau a pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais


Que Deus nos abençoe, que nos faça enxergar na sua Palavra que as nossas necessidades reais são bem diferentes dos nossos desejos. E que ele nos dê coragem para não abrirmos mão delas, mesmo que os invernos que tenhamos que enfrentar sejam os mais rigorosos.

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