A graça vem antes de mim (final)

Liv Ullmann e David Carradine em O ovo da serpente, 1977
A humanidade jamais vai ser perfeita a ponto de merecer o perdão de Deus. A humanidade jamais vai ser perfeita a ponto de merecer a misericórdia de Deus. A humanidade jamais vai ser perfeita a ponto de merecer o amor de Deus. Melhor dizendo: A minha imperfeição, a minha
insuficiência, a minha falta de amor, de paciência, até os meus medos e desajustes são os elementos que ressaltam a minha identidade. Embora as pessoas tentem fazer da figura do pastor a imagem do homem perfeito, que não faz nada errado, do homem que não tem vícios, de ser praticamente autossuficiente, e muitos de nós pastores fazemos questão que seja assim, não vai ficar escondida por muito tempo a realidade de que não podemos ajudar a ninguém, nem a nós mesmos. Não podemos tirar ninguém do pecado, nem a nós mesmos dos simples deslizes. Não podemos espantar os demônios de ninguém, nem mesmo os nossos próprios. O máximo que eu faço na minha vida é tentar sobreviver, conhecer um pouco mais da vontade de Deus no meio das minhas falhas e erros, pedir de joelhos que o seu amor e a sua misericórdia continuem a me assistir, para que assim eu possa me identificar com aquele que está no mesmo estágio de degradação moral e espiritual do que eu, e possamos nos ajudar um ao outro.

O foco da nossa vida tem sido este: Como eu posso ser suficientemente bom? O que eu posso fazer para merecer a porção mínima do amor de Deus? E sabe o que consigo com isso? Chamar para mim toda tensão e angústia sobre aquilo que eu sou e o que eu poderia ser, e sobre aquilo que eu faço e o que eu poderia fazer. Por isso é que preciso voltar ao passado e tentar descobrir de novo que eu sou inadequado, sempre fui e sempre serei. Parece que com tudo isso eu esteja querendo me justificar. Parece que eu estou querendo simplesmente dar um desculpa pela minha conduta errada. Se alguém pensa isso de mim eu já não sei mais como posso comunicar o evangelho a essa pessoa. Porque o evangelho não é uma desculpa, não é virar os olhos quando o erro transparece, não é um habeas corpus para nós mesmos, é justamente o contrário. É reconhecer o erro e crer que somente a misericórdia de Deus pode me justificar. O Cristo que vive em mim, este sim é mais do que suficiente. Olhem o que diz o versículo 5 deste capítulo 15 de João: Quem está unido comigo e eu com ele, esse dá muito fruto

Nossa tarefa não é forçar ou obrigar ninguém a fazer de Cristo o seu senhor. Ele já é. A fé é a nossa aceitação daquilo que sempre tem sido a verdade. O que podemos fazer é ajudar uns aos outros a aceitar esse amor que sempre tem sido, aceitar a graça preveniente de Deus. Nós somos cristãos porque aceitamos o fato de que temos sido amados. Nós somos cristãos porque acreditamos que temos sido perdoados e que estamos abertos ao Espírito de Deus. Nós não temos que forçar a Deus a amar ninguém, esta já é uma verdade incontestável. Ele já nos ama. Em vez de tentamos colocar Deus dentro das pessoas, deveríamos ajudá-las a estar nele. O que podemos fazer é estarmos prontos para receber aqueles a quem ele já tem chamado. Mas para isso, Cristo precisa estar em nós, porque isso é que vai fazer com que aceitemos as outras pessoas em amor. Cristo em nós é que nos capacita a firmar os laços que transpõem todas as barreiras. É o encanto que as pessoas devem encontrar nas nossas igrejas para que elas possam dizer para si mesmas: Como é bom esse lugar! Como é bom estar com Cristo! Somente quando as pessoas são amadas é que elas se sentem livres para falar de si mesmas, para falar dos seus sonhos e das suas esperanças. Somente quando a pessoas se sentem amadas é que elas se sentem à vontade para falar dos seus medos, dos seus desapontamentos e das suas frustrações. Somente quando as pessoas são amadas por alguém que está em Cristo é que elas podem enxergar o que elas realmente poderiam ser se estivessem em Cristo. Deus nos criou para experimentarmos o seu amor.

No filme “O ovo da serpente” tem uma cena que vale o filme todo e muito mais do que tudo que eu disse até agora. O filme é sobre a vida na Alemanha no ano de 1923, após a primeira guerra mundial. Trata-se da situação desesperadora de uma nação e de um povo sem esperança. Mostra bem o ambiente em que foi gerado Hitler. A atriz do filme, Liv Ullmann, é uma pessoa que sai em busca de perdão e está desesperada. Vai à igreja procurando o padre, mas o padre estava com pressa porque tinha uma reunião com seu bispo. Ele a trata com indiferença porque não podia perder tempo com ela. Mas ela insiste e o convence da sua necessidade urgente. Então o padre para por um instante para ouvi-la. Naquela hora de desespero ela simplesmente pede perdão, e é aí que o padre cai em si. De joelhos ambos oram a Deus, e o padre coloca a mão sobre a cabeça dela e lhe diz: Em nome de Jesus Cristo, os seus pecados estão perdoados. Depois disse o padre coloca a mão dela sobre a sua cabeça e lhe pede perdão por ser apressado e insensível. E ela diz: Em nome de Jesus Cristo, os seus pecados estão perdoados. Que maravilha, é isso mesmo. Deus nos chamou para amar uns aos outros, como ele nos tem amado. Não foram vocês que me escolheram; pelo contrário, fui eu que os escolhi para que vão e deem fruto e que esse fruto não se perca.

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