Em nome de Jesus

Caim e Abel, Denijs van Alsloot (1570–1626)
Moisés respondeu: — Por que você está preocupado com os meus direitos, quando eu é que deveria estar? Eu gostaria que o Senhor desse o seu Espírito a todo o seu povo e fizesse com que todos fossem profetas!
Disse-lhe João: Mestre, vimos um homem que, em teu nome, expelia
demônios, o qual não nos segue; e nós lho proibimos, porque não seguia conosco.
Leia Números 11.25-29 e Marcos 9.38-43

Há muito tempo as religiões predominantes reivindicam para si a propriedade exclusiva de Deus, e o Cristianismo atual não escapou desta regra. Consideramo-nos os alvos únicos de toda e qualquer revelação de Deus, intérpretes juramentados da sua Palavra e os únicos canais pelos quais ele pode comunicar a sua graça ao mundo. E o mais interessante é que essa não é mais uma novidade gospel. Como podemos constatar nas leituras indicadas acima, os discípulos de Jesus já se achavam esses tais, e, mesmo antes deles, os contemporâneos de Moisés já reclamavam este invejado posto. Estes textos que foram escolhidos são apenas algumas referências da enorme lista de prepotências que a história da salvação tem registrado. Muito embora as advertências contra ela tenham sido constantes e irredutíveis, e as provas indicando o contrário cada vez em maiores e em maior número, ainda não arredamos pé desta ilusória posição e nem temos a intenção de fazê-lo tão cedo. Tudo isso não seria tão grave se chamássemos apenas para nós a responsabilidade por essa postura, se buscássemos dentro de nós e da nossa competência as razões para sermos o que julgamos ser, mas não. Para isso ousamos invocar o nome de Jesus, e fazemos deste santo nome o respalda para os nossos arroubos de prepotência e intransigência.

Se por ventura tomamos conhecimento de uma cura ou um sinal prodigioso em algum credo que não seja o cristão, esse feito é imediatamente creditado a Satanás, que age assim para enganar os incautos. Como infelizmente, em pleno século XX, as doenças ainda continuam a ser consideradas obras do maligno, aqueles que pensam desta forma deveriam considerar o fato de que Satanás estaria assim fazendo por onde reparar um mal que ele mesmo protagonizou, com o intuito único de angariar fiéis e trazer ingênuos ao domínio do mal. Mas não foi o próprio Jesus quem disse que e Satanás expele a Satanás, ele dividido está contra si mesmo. E mais ainda, nos desafiou com a seguinte lógica: Como, pois, subsistirá o seu reino? Como podemos ainda aceitar essa premissa como válida? Em primeira instância, imaginar que essa possibilidade seja viável é contradizer palavras textuais de Jesus, proferidas no exato momento em que estava sofrendo na carne a discriminação pelo estigma da propriedade exclusiva de Deus reivindicada pelos maus fariseus e escribas hipócritas do seu tempo.

O caso do exorcista estrangeiro narrado por Marcos é o exemplo claro desta exacerbada autoridade com a qual desautorizadamente nos revestimos. Aquele homem que estava empenhado em expulsar o mal do mundo foi proibido de fazê-lo simplesmente por que não andava com eles. Em outras palavras, não era igual a eles, não se vestia como eles, não ia à sinagoga frequentemente como eles, não jejuava e nem orava como eles e muito menos reivindicava para si o posto de maior discípulo, como cada um deles, mesmo que estivesse realizando uma cura que nem mesmo todos os discípulos juntos tiveram a capacidade de realizar. Podemos ver claramente que essa disputa de poder ainda permanece viva entre nós. Não basta ser igreja de Jesus Cristo, a nossa igreja tem que ser a mais evidente, para não dizer única, porta aberta do Reino de Deus. Não nos é suficiente a nobre comissão de ir e pregar o evangelho a toda criatura, temos que ser os interlocutores da palavra exclusiva da salvação. Não nos é bastante a graça, temos que possuir também a hegemonia.

É com bons olhos que vejo segmentos de algumas igrejas tentarem construir pontes no sentido de descobrirem o que tem em comum. O Ecumenismo tem sobrevivido às pregações e maldições que a maioria dos fundamentalistas lançam contra ele. Já passamos séculos ressaltando as nossas diferenças e isso não nos levou a lugar algum, pelo contrário, só serviu de escândalo e perplexidade para o mundo vigilante à nossa volta. Ainda bem que Jesus disse que devemos ser do mesmo rebanho, mas não necessariamente do mesmo curral. Um pouco mais tímido do que o movimento ecumenista, podemos notar alguns grupos se esforçando no sentido de manter um diálogo aberto e honesto com outros credos, aquilo que eles pretendem que seja um diálogo universal interreligioso.

Num esforço de tentar esclarecer que o evangelho propõe a inclusão e não a exclusão, Jesus foi ainda mais explícito quando deixou para todas as gerações de discípulos de que quem não era explicitamente contra ele, era por ele, fazendo com que aquele discípulo que a igreja que se formava estava rejeitando, fosse também seu. Ainda bem que ele associou o Reino de seu Pai a atitudes pessoais quando disse que o Reino estaria dentro de nós. Ele tirou este privilégio da igreja justamente para que não associássemos esta virtude a instituições, doutrinas ou credos. Cada um que age favoravelmente no sentido do crescimento deste Reino é bendito de seu Pai.

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