A graça vem antes de mim

Videira verdadeira, ícone medieval
Não foram vocês que me escolheram; pelo contrário, fui eu que os escolhi para que vão e deem fruto e que esse fruto não se perca. Isso a fim de que o Pai lhes dê tudo o que pedirem em meu nome. João 15.16. Leia todo capítulo 15 de João.

Se tivermos que creditar a Wesley uma doutrina cristã, esta seria a que ele chamou de “Graça Preveniente de Deus”, ou seja, a graça que vem antes, que antecede todas as coisas e atitudes. Para ele, a graça além de nos conceder aquilo que não merecemos e que nunca poderíamos conseguir por
nossos próprios esforços, ela também se antecipa à nossa intenção ou desejo. Este é o ponto que o nosso texto focaliza: Não foram vocês que me escolheram; pelo contrário, fui eu que os escolhi. Este é o chamado primordial do evangelho. Aqui Jesus está  nos chamando para reproduzir a vida que temos achado nele, e como este chamado é espantoso. Ele nos dá uma comissão e ao mesmo tempo nos diz que realizá-la não depende de nós. É inacreditável, mas é verdade. Alguns poderão dizer: É claro que depende de nós. Somos nós que vamos levar essa mensagem adiante. Mas não depende não. O que Jesus quer que entendamos é que não depende da nossa autossuficiência, da nossa consciência nem da nossa capacidade, e sim do seu chamado. É isso que nos qualifica, esta é a condição essencial para a evangelização efetiva. Não somos adequados e nunca seríamos, porque entes de estamos prontos, antes de estarmos preparados, Cristo nos tem chamado e nos tem designado. Essa é a essência da mensagem descoberta por Paulo. Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores. (Rm5,8)

Jesus está dizendo: Eu encarnei por você. Eu vivi por você. Eu preguei pra você. Eu morri na cruz por você. Eu ressuscitei por você. Eu estou aqui agora mesmo por você. Você pertence a mim. Você não me escolheu, eu é que escolhi você. Mesmo que isso esteja confuso na nossa cabeça, temos que nos render à verdade. Nós temos que ver as coisas como são. Nós temos que ver Jesus Cristo como realmente ele é. Nós temos que ver a nós mesmos como somos. Tudo isso, porque mais dia menos dia vamos nos deparar com a revelação libertadora do evangelho que vem da graça preveniente de Deus. Assim nós reconheceremos que Cristo nos tem designado, que nós pertencemos a ele apesar do que éramos, e continuaremos sendo dele apesar do que somos. Este é o princípio cativante do evangelho: Desejamos compartilhar esta vida nova que recebemos não porque somos obrigados ou estamos sob alguma ameaça, mas porque a vontade que temos de falar dele é incontrolável dentro de nós. Nós não podemos nos calar diante da avassaladora liberdade que tem nos libertado.

Nós temos sido chamados para um propósito, e esse propósito é dar fruto. Jesus usou a imagem da videira e dos galhos para nos comunicar um segredo. O fruto que devemos dar é a perpetuação da nossa fé nos outros. Não das nossas convicções, atitudes ou costumes. Simplesmente da fé que nos faz dependentes dele. E para isso ele fez menção de dois tipos de galho: um que produz fruto e que é podado para que produza mais fruto, e o outro que não produz e que é cortado e queimado. Os discípulos de Jesus entenderam muito mais do que nós esta comparação, porque eles conheciam o processo drástico de podar um galho para que ele viesse a produzir mais. Do lado de fora do templo de Jerusalém havia uma videira enorme que cobria toda a entrada. Essa videira fazia o povo se lembrar de que Israel era o galho. E foi neste contexto que Jesus nos deu o segredo de uma evangelização frutífera. É o seguinte: Ele é a videira, e somente em contato com ele que recebemos o poder para reproduzir frutos. O nosso problema é que já nascemos com o complexo de Elias. Trabalhamos para Deus, é verdade. Trabalhamos para os seus propósitos, também é verdade. Por causa disso somos determinados, austeros e inflexíveis, em vez de sermos livres, agradecidos e generosos. Sentimos que devemos fazer algo para Deus, isso se torna a razão da nossa existência, e no fim nós ficamos como Elias: sozinhos, desanimados, derrotados e até querendo morrer.  E foi para o deserto, andando um dia inteiro. Aí parou, sentou-se na sombra de uma árvore e teve vontade de morrer. Então orou assim:
— Já chega, ó Senhor Deus! Acaba agora com a minha vida! Eu sou um fracasso, como foram os meus antepassados. (IRs 19,4) Nós queremos fazer algo que nos torne melhor do que aqueles que vieram antes de nós. Nós queremos trabalhar, trabalhar em vez de deixar que Jesus trabalhe por meio de nós. Nós desejamos falar sobre ele, em vez de ouvir o que ele tem a nos falar. Nós planejamos o que devemos fazer em vez de escutarmos a sua voz. Precisamos ouvir ele nos falar mais uma vez: Sem mim vocês não podem fazer nada. Paulo tinha essa convicção quando disse: Não sou eu mais quem vive, e sim Cristo que vive em mim.

Por pior que ela possa parecer é a na nossa natureza humana que Cristo se revela. Não importa se ele é o centro da vida religiosa, ele quer ser o centro da vida cotidiana, da vida normal. Ainda vivemos sob a ilusão de que a vida com Cristo nos transforma em pessoas superiores, com quem ninguém pode se identificar e com quem ninguém quer se identificar. Como eu sei bem disso. Eu tento ser um super Sergio, um super pastor, um super cristão, eu tento fazer tudo certinho, e o que acontece? Estou sempre caindo de cara no chão. Apesar de todo meu esforço para ser perfeito, é pelos meus erros, pelos meus fracassos, pelas minhas frustrações que as pessoas me identificam neste momento. Mas eu deveria deixar as pessoas me identificarem pelo que Cristo está fazendo na minha vida. Só assim eu poderia me identificar com vocês e vocês comigo, e nós poderíamos nos ajudar uns aos outros. (continua)

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