Da culpa à responsabilidade IV

Figueira estéril, Jan Luiken
Leia Lc 13,1-9 
Diferentemente do que acontece com outras parábolas em que tentamos identificar e relacionar cada um dos personagens, nesta parábola cada um de nós pode se ver por inteiro, pois nós somos todos os personagens da parábola. Numa primeira hora, somos a figueira e nos
sentimos cheios de culpa por sermos estéreis não podermos dar frutos, incapacitados que estamos de realizar qualquer mudança ou melhora por nossos próprios esforços. No momento seguinte, nos transformamos nos senhores da situação, julgando sumariamente todos aqueles que se encontram no estágio pelo qual acabamos de passar, condenando-os impiedosamente por seus infortúnios. De figueira culpada, passamos a ser juízes soberanos, mandando cortar, mandando arrancar, mandando matar tão somente porque não se dá fruto que queremos. Observem que a parábola nada mais é do que a história completa da nossa vida, de uma vida que se desenrola sempre entre essas duas situações. Sentimos-nos vazios na nossa ambiguidade, e estaríamos perdidos mesmo, não fosse a intervenção de precisão cirúrgica de Jesus, que mesmo desconversando é extremamente preciso. Nós poderíamos ficar, como muitos ficam, eternamente nesta situação: uma hora juízes, na outra réus, e jamais sairmos desse dilema. Nós podemos continuar achando que o nosso pecado é imperdoável e que o nosso carma é realmente padecer no inferno em vida. Por outro lado, podemos concluir também que somos superiores, que estamos acima do bem e do mal, que as tragédias que assolam as pessoas comuns, jamais nos atingirão, e assim, nunca conhecer o perdão de Deus.

Mas Jesus quer por um fim nesta roda viva, e para tanto ele propõe uma nova alternativa na figura do vinhateiro, um servo diligente e fiel. Aquele que, além da capa, está disposto a dar também a túnica, a caminhar a segunda milha. Jesus nos desafia a entrar de cabeça numa questão que não é nossa. Eu não plantei a figueira, não sou o dono dela, mais ainda assim sou responsável. Jesus nos chama a fazer a transposição da culpa à responsabilidade, quando somos chamado para cavar em volta, afofar a terra, colocar mais adubo, a criar novas possibilidades. Jesus nos diz para não desistirmos, não porque somos brasileiros, mas porque Deus não desiste de nós. Deus não desiste nunca, mesmo que ele não tenha envolvimento algum com a nossa culpa, mesmo que não tenha sido convidado a opinar sobre a nossa decisão, ainda que não faça parte do problema, ele não desiste de nós.

Eu só espero que vocês não me perguntem o que fazer daqui para frente, eu não tenho a resposta. Aliás, não é função do pregador ficar ditando regras de conduta, isto é função exclusiva do Espírito Santo agindo individualmente em cada coração. Contudo, alguns bons exemplos podem e devem ser levados em conta. O terremoto do Haiti matou uma mulher fantástica: Zilda Arns. A única brasileira três vezes indicada ao prêmio Nobel da Paz. Estima-se que ela salvou mais de dois milhões de crianças da mortalidade infantil e mais de cem mil mães de morrerem no parto. E ela era uma freira brasileira que estava naquele país, na tentativa de amenizar o problema das crianças haitianas. Zilda certa vez foi perguntada como as freiras da sua ordem podiam dedicar-se exclusivamente à oração. Ela respondeu: Essa foi a forma que encontramos de estarmos ligadas a pessoas distantes que jamais poderiam conhecer. De estar em sintonia com as aflições e angústias de pessoas cuja existência para nós é apenas um número estatístico. Mas não ficamos somente na oração, estou aqui como uma resposta de Deus à oração delas, é por causa da oração delas que ele me enviou para cá. Temos também o exemplo de um pastor metodista octogenário que morava em Friburgo. Durante toda a noite e manhã seguintes à tragédia recente que assolou aquela região, não pôde ser contactado por seus familiares e amigos. O clima de apreensão e angústia tomou conta de todos, até que se descobriu que o rev. Newton Garcia que, mesmo jubilado e com mais de oitenta anos, por isso tinha todos os motivos para ficar distante da tragédia agradecendo a Deus por ter sido atingido por ela, estava na rua ajudando a desenterrar os corpos dos que sucumbiram.

Esse amor que vence a soberba, que extermina a culpa e que nos faz responsáveis. Esse é o amor que Jesus nos desafia a ter, para entender e para testemunhar que todas as tragédias, infortúnios e desgraças jamais encontrarão respostas numa consciência atormentada pela culpa ou na caça implacável aos culpados, mas sim no amor solidário que sofre e que chora junto. O nosso desafio diante do mal é ter a consciência que Jesus tinha, para entender que por mais trágica e determinante que seja a situação, Deus nos dará sempre a oportunidade de cavar em volta, adubar as raízes, afofar a terra; de fazer alguma coisa, para que a figueira, mesmo sob ameaça de morte, no tempo certo, dê o seu fruto. E que ele nos abençoe, que ele nos faça ver que até mesmo numa inútil figueira estéril, existe uma grande oportunidade de fazer com que o mundo venha a conhecer, em meio a tantas tragédias, o indescritível amor com que ele nos ama.

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