Julgando o julgamento II

O Juizo Final de Michelangelo
Como fundamento, algumas religiões antigas, inclusive do Cristianismo, tem como líquido e certo que um dia indistintamente todos estaremos diante de Deus para prestarmos contas dos nossos atos, naquele que se pode chamar de O Dia do Grande Julgamento. Contudo, a fé cristã herdou do Judaísmo a consciência de que este julgamento se dará levando-se em conta as ações concretas de Deus no passado das pessoas, pois o nosso Deus não se apresenta como um juiz soberano, inflexível, impiedoso e distante, que são características
marcantes dos deuses pagãos. Pois do contrário, se assim fosse, ninguém sobreviveria a tal julgamento.

Na sua origem o julgamento era uma prerrogativa que o governante possuía e fazia uso para mediar litígios e decidir justamente em favor do violado, condenando o violador a uma punição reparatória na medida exata da violação. Mas desde muito cedo constatou-se que na prática, apesar do extenso volume de leis consensuais e coercitivas, este tipo de julgamento ainda havia ficado muito aquém de se conseguir fazer com que todos os erros fossem reparados, que os direitos de cada um fossem respeitados e que a justiça fosse fielmente observada. Diante da incapacidade humana de executar tão grande realização, todo o ideal do legislador perfeito foi então transferido para o Messias, quando da instalação definitiva do seu Reino: Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, rei que é, reinará, e agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra. Nos seus dias, Judá será salvo, e Israel habitará seguro; será este o seu nome, com que será chamado: Senhor, Justiça Nossa. (Jr 23,5-6) Para uma interpretação mais profunda do tema proposto pelo profeta, recomendo a leitura do sermão vinte de Wesley, Senhor Justiça nossa, que pode ser encontrado nesta página: http://www.metodistavilaisabel.org.br/docs/SERMAO_20.pdf do site da Igreja Metodista de Vila Isabel.

Como postura individual, tanto os profetas quanto Jesus pregavam que os servos fiéis deveriam ter fé no julgamento de Deus, pois efetivamente quem será julgado é o mundo e as suas investidas contraditórias ao Reino dos Céus. Esta é a prerrogativa máxima do Supremo Juiz, portanto, o servo de Deus não tem que se esforçar para se apresentar justo diante dos critérios humanos e nem querer se fazer de santo diante de Deus, porque este, antes de observar a conduta, ele sonda os corações. Como, além disso, ele é o Senhor dos acontecimentos, não deixaria jamais de orientar o seu povo para escapar da punição que está destinada aos maus. É a ele que se deve recorrer como supremo julgador e reparador de erros. Quando se lhe confia uma causa, deve-se ter em conta sempre o restabelecimento da justiça e não o transcurso de alguma vingança, de uma punição sumária ao adversário, ou, menos ainda, a esperança de se obter uma decisão favorável, quando esta não lhe faz jus.   

Outra temática que se faz presente no Primeiro Testamento diz respeito à fidelidade que o povo deve ter, tendo como parâmetro os julgamentos anteriores de Deus. Na perversão do gênero humano, Deus julgou o mundo com um dilúvio. No êxodo, o Egito, Faraó e seus deuses foram também julgados e condenados. Os castigos no deserto também se constituem em provas concretas do selo que Deus tem pela exclusividade. Os profetas do clímax da crise de Israel e Judá foram unânimes em denunciar os crimes hediondos que este povo praticava, bem como o quilométrico processo que Deus tinha contra ele. Faziam questão absoluta de lembrá-los de que no Dia do Julgamento haveria menos rigor para as cidades do mal, Sodoma e Gomorra, do que para aquele povo infiel e idólatra.

O julgamento de Deus é uma ameaça constante, não no futuro, mas na nossa história. Lembrar esse juízo ameaçador e anunciar a sua realização próxima são temas essenciais da pregação profética. Amós ria daqueles que ansiavam pelo Dia de Julgamento, que ele mesmo chamou de Dia do Senhor. Para aqueles que esperavam uma manifestação favorável de Deus para si naquele dia, Amós dizia: Ai de vós que desejais o Dia do Senhor! Para que desejais vós o Dia do Senhor? É dia de trevas e não de luz. Como se um homem fugisse de diante do leão, e se encontrasse com ele o urso; ou como se, entrando em casa, encostando a mão à parede, fosse mordido de uma cobra. (Am 5,18-19)

Já os profetas pós exílicos, que presenciaram o drama da destruição do templo e consideram esta tragédia como sendo o começo de um fim trágico e inevitável, não tiveram a alegria de viver tempos de liberdade e prosperidade. Nasceram e viveram sob um regime de opressão constante do inimigo, fosse ele a Babilônia, a Assíria, a Grécia ou Roma. Estes apelavam para que o Deus Juiz se manifestasse o quanto antes e apressasse a hora do juízo. Mais do que isso, cantavam antecipadamente a vitória dos oprimidos vítimas dos ímpios e das suas impiedades que jamais serão perdoadas ou esquecidas.

Nota: Peço a paciência de vocês porque o assunto requer argumentação pesada e consistente.

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