Julgando o julgamento III

O jovem rico de HeinrichHofmann (1824-1911)
Como se pôde ver, quando o Primeiro Testamento fazia alusão ao julgamento não estava se referindo ao julgamento de caráter ou de uma atitude específica, mas sempre relacionava o julgamento à fidelidade a Deus e ao cumprimento dos seus mandamentos. Enquanto muitos dos
contemporâneos de Jesus esperavam a redenção de Deus baseados nas suas promessas, João Batista pregava que o fim eminente estava próximo. Para sobreviver a este cataclismo era necessário que a pessoa se convertesse, porque antes de vir a redenção viria primeiramente mais julgamento. A propaganda de que Deus viria como juiz soberano, inflexível e impiedoso atingiu seu ponto máximo. Desde a destruição do templo em 586a.C., e quando o templo foi novamente destruído pelos romanos em 70d.C, mais uma vez o profetismo vingou. Não há motivo algum para não crermos que o julgamento de Deus ainda está vigente e as suas imutáveis leis são tão atuais como no dia em que foram promulgadas.

Contudo, para este mar de julgamentos e sentenças, contra esse exército de inquisidores e promotores, Deus enviou seu Filho Unigênito como nosso advogado de defesa. Mais do que um mero burocrata que trata das nossas causas à distância e sem envolvimento, Jesus se colocou no nosso lugar, assumindo toda a culpa pelos nossos delitos cometidos e pelos que ainda cometeremos. Então, esse julgamento deixou de ser uma ameaça  para que o cumprimento dos mandamentos de Deus em nossas vidas se tornassem no ideal de vida proposto por Jesus e não mais um fardo que tínhamos que carregar pelo deserto. Para o bem da verdade, não recebemos de Deus um mapa de como chegar ao paraíso, quando o seu Reino se tornar pleno ninguém mais precisará de mapas. Recebemos sim o mapa do deserto e as orientações para prevalecermos sobre as diversas situações, para que nunca mais venhamos a ser escravos das circunstâncias.

Embora esteja muito voga a pergunta "você tem certeza da sua salvação?", ela é completamente descabida, pois o tipo de julgamento que determina quem será ou quem não será salvo escapou há muito da nossa alçada. Muito mais do que uma aceitação meritória, somos em Cristo aceitos sem que em nós haja o mínimo valor para tão grande salvação.

Mas o nosso assunto não é salvação e sim julgamento. E a questão inicial de não podermos julgar ninguém sob circunstância alguma continua a nos desafiar. Definitivamente não podemos julgar quem será ou quem não será salvo, e Bíblia também não nos encoraja a ficarmos determinando quem é ou quem não é reto de coração. Para isto as palavras de Paulo em Romanos continuam valendo: Quem és tu que julgas o servo alheio? Para o seu próprio senhor está em pé ou cai; mas estará em pé, porque o Senhor é poderoso para o suster. Mas temos que levar em conta também as palavras do mesmo Paulo quando diz: Ou não sabeis que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo deverá ser julgado por vós, sois, acaso, indignos de julgar as coisas mínimas? Precisaríamos agora saber apenas quais são essas tais “coisas mínimas” sobre as quais temos total obrigação de exercermos julgamento.

Se formos ter em nossa conta os critérios dos julgamentos de Jesus, que por mais de uma vez disse que o propósito do seu ministério era salvar e não condenar, vamos ver que a religiosidade ficou de fora. No seu nascimento foi homenageado com presentes caros por magos babilônicos que professavam o Zoroastrismo. Na sua infância recorreu ao debate franco e aberto com os sacerdotes do templo. Conservou amizades sinceras e leais com alguns fariseus e estendeu a sua misericórdia a não judeus, como o centurião, os gadarenos e a mulher siriofenícia. A despeito de ser um incansável pregador do Reino de Deus jamais limitou esse Reino aos seguidores do Judaísmo, a única religião que de fato professou. Definitivamente os critérios não são religiosos porque isso não é uma "coisa mínima".

Por outro lado, vemos Jesus indignar-se e por mais de uma vez ficar irado contra os maus fariseus e contra aqueles que tentaram subverter a sua mensagem a meros preceitos de conduta. Mas ao mesmo tempo verificamos que o julgamento que exerceu sobre o jovem rico, sobre aquele que queria fazer dele juiz de herança e sobre o que jurou segui-lo sem medir as consequências desta entrega, pesaram-lhe demais no coração. Da mesma forma foi quando permitiu a Judas fazer o que este estava decidido a fazer. Se constatamos que a ira fez parte da sua pregação, não podemos dizer que ela foi a sua tônica, pois, como ele mesmo dizia: o seu julgamento era suave e a pena que decretava era leve.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...