Pentecostes, o que foi e o que é II

O pentecostes, gravura de 1200 dC
Meditação sobre Atos 1 e 2
A segunda referência que o texto nos dá, é que no Pentecostes participaram pessoas de nacionalidades diversas. Notem que o autor começa a falar de judeus e de homens piedosos oriundos de vários países: da Média, da Capadócia, da Frigia, da Panfília e de tanto lugar de nome esquisito que nem sei. Mas ele fala que além de judeus, tinha também prosélitos. Sabem o que é isso? Pessoas que assumiram a religião judaica sem serem judeus nativos. Não confundir com simpatizantes, que eram pessoas que frequentavam as sinagogas sem serem
judias, estes aí são mais parecidos com os homens piedosos. Mas o texto dá uma escapada e fala também em cretenses e árabes, sem aludirem que estes fossem judeus. Pela sequência em que foram citados estes povos do Mediterrâneo, observou-se que Lucas seguiu a orientação leste-oeste, norte-sul. O curioso é que esta orientação segue à risca um antigo calendário astrológico, que era muito conhecido na época. Neste calendário os povos eram sinalizados por símbolos e constelações do zodíaco. Vamos deixar claro que Lucas não adotou o calendário por superstição, mas por ser a forma comumente usada para descrever o mapa do mundo habitado de então, como ele diz neste seu livro: todas as nações debaixo do céu. Ele estava narrando esta cena desta maneira bastante tempo depois dela ter ocorrido, na tentativa de ser compreendido por um número grande de pessoas, e convém dizer que estas pessoas não tinham a preocupação que a referência a este mapa viesse a tornar aquela experiência em algo supersticioso, o que certamente o faríamos hoje.

Já de saída há no Pentecostes uma negação ao mistério comum aos grupos fechados, às cerimônias secretas e às iniciações ocultas, foi tudo às claras para quem quisesse ver. Foi exatamente o contrário disso, aqueles que estavam ocultos se expuseram. A reunião que estava entre quatro paredes saiu para ganhar o mundo, porque o que aconteceu ali não foi o gotejamento homeopático, foi sim o derramamento do Espírito Santo. O transcendente, o intocável, o extraordinário, o invisível Espírito de Deus desce e vem ao encontro do imanente, do palpável, do comum, do humano, do homem, da mulher, da humanidade. E no que esse encontro resulta? Resulta no transparente, no acessível, na vontade de estar junto, de sair da clausura, de se comunicar, de dialogar. Resulta no entendimento e na aceitação entre todos os povos, raças e credos. Todos aqueles que ali estavam, ouviram e entenderam em suas próprias línguas as maravilhas de Deus. Resumindo, é a contrapartida do desastre que foi a Torre de Babel, quando cada homem se tornou um mistério incompreensível para o seu semelhante. Quando qualquer possibilidade de diálogo e de aceitação do outro se tornou impossível. É certo que ali o Pentecostes deixou de ser uma festa judaica, mas é certo também que não mostrou pretensão alguma de se tornar uma festa cristã. Ele passou a ser uma festa de todos os povos de norte a sul, de leste a oeste. Eu duvido muito que a utilização do calendário astrológico não fosse um anúncio proposital e antecipado do ecumenismo. Uma festa para todas as gentes e todos os credos, sem que nenhum credo em especial tivesse liderança sobre os outros, mas exclusiva do Espírito de Deus, de Alah ou como costumamos chamar essa consciência superior. Assim, como foi no dia de Pentecostes, essa consciência continua soprando onde quer, sem dar satisfação a quem quer que seja.  Como bem disse Jesus a Nicodemos: podemos ouvir a sua voz, mas jamais saberemos de onde vem nem para onde ele vai.

Uma terceira e última conclusão. Vocês se lembram do que aconteceu um pouquinho antes do Pentecostes? A eleição de Matias para suprir o lugar deixado por Judas. Ou seja, ali eles escolheram um e rejeitaram o outro. Escolheram Matias, o dom de Deus, e rejeitaram Barsabás, o filho do shabá, o filho do sábado. Eu sempre tive vontade de fazer um sermão sobre este cara que perdeu a eleição, que no final das contas não perdeu nada, pois o que foi escolhido nunca mais foi citado, e o nome dele nunca mais lembrado. A escolha que os homens fizeram do décimo segundo apóstolo foi um completo fiasco. Escolheram um bonzinho, um cara certinho, que estava com eles desde o começo. Logicamente que o Matias reunia todos os requisitos necessários. Era justo, fiel, compactuava dos mesmos ideais, estava lá na luta com eles. Na contramão desta escolha, quem é o apóstolo que Deus vai escolher? Um sujeito que não andava com eles, não rezava na cartilha deles, sequer tinha conhecido Jesus. Era assassino, perseguidor da igreja e inimigo dos cristãos. Mas mesmo assim, diferentemente do que se pode pensar, Deus não escolheu Paulo porque ele era Paulo, aliás, nem Paulo era, seu nome era Saul ou Saulo. Pelo contrário, a escolha de Deus é quem fez Paulo ser o que ele foi. A Bíblia não trás a história de grandes homens e mulheres, e sim de homens e mulheres comuns que foram grandemente usados por Deus. As escolhas que o Espírito de Deus faz são completamente diferentes das nossas escolhas. Ele escolhe o fraco, pra confundir o forte. Escolhe o louco para envergonhar o sábio. E escolhe o vil e o desprezado e o que não é, para reduzir a nada o que é.

Justamente por conta disso que Deus no Pentecostes fez escolhas até então impensadas: derramarei o meu Espírito sobre toda a carne. Sarkis é uma palavra grega que significa carne, mas neste caso quer dizer corpo humano. Derramarei o meu Espírito sobre todo mundo, sobre toda carne, sobre todas as pessoas. Não vou escolher em quem, vou derramar geral, como diria a Bíblia na linguagem pós-moderna dos jovens. E derramar é especialidade da graça. Para mim a melhor representação da graça de Deus, é a imagem daquelas mãos que tentam pegar a água que corre de uma fonte. A água enche as mãos com abundância sem fim. Mas transborda como se nada pudesse detê-la. Aquela prostituta que lava os pés de Jesus. Quando duas gotas bastavam, ela derrama aquele perfume caro. Essa é a economia da graça que o Pentecostes vem exaltar, quando muito pouco seria suficiente, Deus derrama. É exatamente isso o Pentecostes, o derramamento do Espírito.

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