Felizes os pacificadores

A família e a árvore azul, Michel Raucher (1957)
Felizes as pessoas que trabalham pela paz, pois Deus as tratará como seus filhos. Mt 5,9

Esta bem aventurança parece mais um oásis no meio de um deserto de guerras, de violência de tudo que de antemão concorre para negá-la. Aliás, a própria palavra paz é controversa até mesmo na pregação de Jesus, que embora tenha pregado um reino de paz, por diversas vezes garantiu que seu ministério traria a discórdia entre as pessoas, mesmo as mais intimamente ligadas como mães e
filhas. Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada (Mt 10.34). Sua mensagem era de tal forma radical que nem mesmo um golpe de uma espada precisa e afiada não cortaria tão profundamente quanto ela. Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração (Hb 4.12). Diante de tantas situações conflitantes como podemos penetrar no verdadeiro desafio que a bem aventurança nos lança?

Plenamente consciente de que apenas poderemos arranhar a enorme complexidade deste enigmático texto, devemos nos atrever a expor algumas considerações. Primeiramente que a palavra paz na boca de Jesus tinha sentidos pontuais. Quando se dirigia aos aflitos, aos atormentados pela rígida concepção religiosa dos sacerdotes, escribas e fariseus, esta palavra tinha como objetivo a libertação. Visava descortinar uma nova realidade para aqueles que já não possuíam mais a esperança de uma vida em que a paz fosse ao menos um vislumbre. Os enviados de Jesus deveriam primordialmente pregar a paz para estas pessoas de modo que a mensagem repercutisse como uma notícia excelente aos seus ouvidos. Antes de tudo, a mensagem do evangelho tem por finalidade libertar o homem de todas as coisas que o escravizam, porque só quem experimenta interiormente esta liberdade pode combater eficazmente as forças da escravidão que atuam no mundo. Este é o sentido da paz imediata e urgente para quem que, segundo a bem aventurança que fala dos que tem fome e sede de justiça necessitam de pronto. É o sentido exato que foi sugerido pelo autor dos Provérbios séculos antes: Dai bebida forte aos que perecem e vinho, aos amargurados de espírito; para que bebam, e se esqueçam da sua pobreza, e de suas fadigas não se lembrem mais (Pv 31.6-7).

Mas é deste mesmo autor a contra partida. É deste mesmo autor o desafio aos pacificadores. É dele a proposta para a segunda etapa da paz. Abre a boca a favor do mudo, pelo direito de todos os que se acham desamparados. Abre a boca, julga retamente e faze justiça aos pobres e aos necessitados. (Pv 31.8-9). Somente considerando a situação atual sob este ângulo podemos concluir que a paz não é a ausência total de conflitos, pelo contrário. Pode muito bem acontecer que em meio a uma luta ferrenha e desesperada pela paz, a encontremos em nossos corações. A paz proposta por Jesus e que foi desta maneira intimada aos seus discípulos é a instauração irrestrita da justiça. O pacificador é aquele que atua simultaneamente em dias frentes: anunciando que a paz é possível através do evangelho, mas apresentando-se constantemente insistem para se opor àqueles que insistem em fazê-la nula.

Não nos parece curioso que apenas este grupo de bem aventurados serão chamados filhos de Deus? Pode parecer que seja assim, mas esta era a proposta inicial que Deus fez a Adão na criação, para que ele participasse dela efetivamente. Não apenas como mais um ser criado, mas como alguém que continuaria com o próprio Deus a obra de construção de um mundo, que embora belo, estava longe de ser perfeito e acabado.

 Felizes as pessoas que trabalham pela paz, pois Deus as tratará como seus filhos.

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