O que é heresia?

Concílio de Clermont (1905) desconhecido
Tanto a palavra cisma quanto a palavra heresia designam hoje um sério rompimento na igreja cristã. Enquanto o cisma é uma ruptura com as autoridades eclesiais, a heresia é uma ruptura com a fé. Para chegarmos a uma compreensão mais acurada, precisaremos rever conceitos passados.

No Primeiro Testamento o conteúdo intelectual da fé era muito pouco elaborado, e isso não dava margem à heresia. A tentação de Israel não era decidir
qual seria a vontade de Deus em meio a um emaranhado de doutrinas, era sim entre seguir ao seu Deus ou a outros deuses. Era antes apostasia e idolatria do que heresia. Tanto os que seduziam o povo a esta decisão quanto os que os seguiam, ao se desgarrarem não estavam simplesmente querendo ser diferentes, mas fazendo a opção de serem excluídos da comunidade do povo de Deus. Daí a considerarmos que o sentido de heresia só se torna completo realmente nos escritos mais tardios do Segundo Testamento.

A despeito de Paulo ter usado o termo haireseis, heresia, em I Co 11.19, ele não o diferencia de schismata, cisma ou divisão, do versículo 18, porque o que havia na igreja de Corinto era realmente uma ruptura com as autoridades, criando verdadeiros partidos rivais, com doutrinas e costumes próprios, como havia no judaísmo. Saduceus, fariseus e nazarenos são alguns desses partidos. Apesar de seus membros acrescentarem à fé elementos estranhos e inconciliáveis, não a abandonaram para seguir outros credos. Esta foi a fase em que a igreja se deparou com diferenças doutrinárias oriundas de duas tendências, como veremos a seguir.

A crise judaizante. A admissão de pagãos causou de imediato um problema com os judeus cristãos, no que diz respeito às observâncias da lei. Os judaizantes diziam que os pagãos tinham que se converterem primeiro ao Judaísmo para depois se tornarem cristãos. Paulo diz que esta exigência tornaria nula a cruz de Cristo, pois os pagãos foram salvos pela graça, quando ainda eram pagãos, e não por cumprirem os preceitos da lei.

A crise helenista. A mensagem de Paulo teve que fazer frente também à sabedoria grega. O entusiasmo que dominava o Império Romano por esta filosofia de vida era acentuado em Corinto, e estes que estavam propensos a escolher entre as diversas escolas do pensamento grego, imaginaram que poderiam escolher seus mentores espirituais entre Paulo, Pedro, Apolo e Jesus. Dominados por esta filosofia, passaram a questionar diversas doutrinas genuinamente cristãs, como a ressurreição dos mortos e a encarnação de Jesus. Na igreja de Colossos a crise foi ainda mais acirrada, pois as duas tendências se juntaram para por em perigo a fé dos colossenses. Nesta igreja discutia-se o primado de Cristo, submetendo-o aos anjos. Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo. Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua mente carnal - Cl 2.16-18.

No entanto, é no fim da era apostólica sob a influência do gnosticismo a heresia entra efetivamente na igreja. Baseados nestas duas concepções cismáticas, os falsos profetas negavam que Cristo fosse o Filho de Deus e que veio em carne. Atribuíam a Jesus uma divindade secundária de um demiurgo, esvaziando desta forma toda a responsabilidade do cristão com o testemunho da sua fé, o que redundaria na sua negação, pois a doutrina gnóstica é radicalmente oposta ao ensino de Jesus. Seja em Corinto, Éfeso, Colossos ou em outro lugar qualquer, estes desvios tiveram lugar na orgulhosa teimosia em não se submeter à doutrina pregada unanimemente pela igreja, adulterando-a de forma especulativa para interesses próprios e prestígio pessoal. É justamente por conta disso que não cabe ao herege uma designação diferente daquela que os antigos faziam com o idólatra: a excomunhão. Esta severidade de Paulo e dos demais apóstolos com respeito aos falsos mestres e suas heresias destacam o quanto é importante o cristão estar arraigado a uma fé sem desvios ou tolerâncias, mas que derrube incontestavelmente qualquer erro que comprometa a sã doutrina inaugurada por Jesus e anunciada pelos seus autênticos e únicos apóstolos. 

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