O que é SOFRIMENTO? III

Crucificação de Pedro, Caravaggio em 1600
Depois da ressurreição de Cristo uma ilusão ameaça os cristãos: o sofrimento e a morte acabaram. Eles correm o risco de terem a sua fé abalada pelas realidades trágicas da existência. Nem mesmo a ressurreição elimina o ensinamento de Jesus nos evangelhos, ela é a confirmação destes. As mensagens do sermão da montanha, as bem aventuranças, a exigência de se carregar a cruz de cada dia e a certeza de que o mundo nos reserva muitas aflições assumem um grau de urgência, pois nem mesmo a mãe de Jesus foi poupada do sofrimento e da dor. Se perseguiram tão maldosamente o mestre, o que não fariam com os discípulos? A era messiânica é um tempo de paz, esperança e regozijo no Espírito, mas é também um tempo de tribulação, e é este o aspecto que para Wesley e Bonhoeffer diferenciava o cristão do quase cristão: o sofrer por amor a Cristo.

Se não é mais o cristão que vive e sim Cristo que vive nele, assim os sofrimentos de Cristo passam a ser os sofrimentos dos cristãos e vice versa. Assim como o Filho aprendeu pelo sofrimento e os suportou por obediência: Embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu  e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem, (Hb 5.8) assim é preciso alcançar a meta que nos foi proposta: Porque convinha que aquele, por cuja causa e por quem todas as coisas existem, conduzindo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse, por meio de sofrimentos, o Autor da salvação deles. (Hb 2.10) Cristo não apenas sofreu as consequências do da radical mensagem que pregou como também foi solidário aos que sofriam vitimadas pelas iniquidades que corajosamente denunciou, e o mínimo que ele espera de nós é que façamos o mesmo.

Assim o sofrimento para o Cristão assume duas características distintas: o sofrimento pelas perdas, enfermidades, lutos e desilusões, pelas quais todos os seres humanos passam, sobre as quais não temos qualquer controle e que de forma alguma estamos livres, e o sofrimento por amor a Cristo, ao qual nos entregamos voluntariamente e com, se é que podemos assim chamar, alegria. Se os sofrimentos inerentes à natureza humana não podem ser evitados, o sofrimento por amor a Cristo cessa no exato momento em que o Cristão renega Cristo, sua mensagem e a sua vocação. Existe toda uma doutrina que foi criada para embaralhar estes dois tipos distintos de sofrimento. E a ambos existe a prescrição contra o lamento, que na linguagem desta doutrina é traduzido por murmuração. Ao misturar indevidamente estes dois aspectos da vida cristã, condena-se algo que deveria ser uma das marcas mais expressivas da vida cristã: a indignação contra o sofrimento sem causa. Cristo foi solidário às pessoas que eram afligidas por esse tipo de sofrimento e tentou de todas as formas aliviá-las da dor. Fosse um cego que estava atormentado por uma culpa que não se justificava, fosse por uma samaritana que vivia à margem pela escolha indiscriminada dos seus maridos, fosse uma adúltera no limiar da vida, fosse um centurião que sofria pela dor de um subalterno. Esse sofrimento sempre será aos olhos da fé cristã injustificado, e o empenho contra ele deve ser total. Atitudes, denúncias e lamentos fazem com que, assim como Cristo, sejamos solidários.

As prescrições bíblicas contra o lamento recaem justamente sobre o sofrimento por amor Cristo, esse sim o cristão deve suportar com alegria em seu coração, sem causar qualquer tipo de escândalo, para que o nome de Cristo não seja aviltado pelos não cristãos. Não são as promessas de galardões e reconhecimentos que devem motivar o cristão, pois nem mesmo elas podem sustentá-lo quando este sofrimento se torna uma provação definitiva, mas o estar com Cristo, pois este é o maior galardão que o cristão pode conquistar. Quando debaixo de todo o sofrimento que o mundo pode nos causar, lembremo-nos sempre de que alguém conta conosco para que todo tipo de sofrimento um dia chegue ao fim: Vós sois os que tem permanecido comigo nos meus sofrimentos e tribulações. Assim como meu Pai me confiou o Reino, eu o confio a vós. (Lc 22.28s)

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