A cana quebrada II

A Adúltera, Rembrandt em 1644
Cremos que as pessoas respondem ao amor, mesmo que tenham perdido a capacidade de responder a qualquer outra coisa. Disse uma pessoa que trabalha há muitos anos com crianças excepcionais. Ela está seguindo a linha de pensamento de Isaías: Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega. Aqui está a chave da existência da igreja.


A igreja existe para ser o lugar onde pessoas são valorizadas, onde as pessoas são estimadas e onde as pessoas são amadas, não pelas coisas que possuem ou pelo que fazem, mas porque Deus as tem chamado para serem dele. A essas pessoas Deus lhes deu a importância do mérito que é seu, aquilo que chamamos de graça.

Uma das coisas que mais incomoda um pastor é ver um membro de sua igreja se transferir para outra. Mas hoje, até isso se tornou uma tarefa impessoal, pois hoje o fazemos através de uma carta padrão de transferência, e muitas vezes sem o conhecimento da congregação, quando a carta não é do conhecimento do membro em questão. Parece uma lista de roupa para a lavanderia. O que deveria ser uma festa de amor, com a igreja toda agradecida a Deus pela bênção que foi aquela pessoa entre eles, e com os melhores votos de que ela seja também uma bênção na sua nova igreja, é um ato burocrático frio e insensível.

Nem apagará a torcida que fumega. Podemos também considerar que todo pavio fica velho, e quando falta o suprimento de óleo ele queima a si mesmo soltando muita fumaça. Aqui Isaías está se referindo àqueles que tiveram uma falha pessoal, que se sentem desgastados pelas suas próprias deficiências ou que estão sendo consumidos pelos seus erros. Em nossa sociedade eles são a maioria. O evangelho veio para mudar a nossa maneira de enxergá-los. Eu pelo menos preciso mudar a minha. Quando achamos que outra pessoa está em pecado, está perdida ou longe da graça de Deus, o nosso julgamento sobre ela atrapalha a comunicação do amor de Deus. Talvez, no dia que eu conseguir ser assim, eu consiga pregar o evangelho sem raiva e sem essas mensagens duras que costumo postar. Se eu acho que você está errado passo a ter uma atitude diferente com você, mas Jesus não era assim. Ele tratava prostitutas, adúlteras, publicanos e fariseus amando-os da mesma forma. Não olhava diretamente para o erro e sim para a pessoa, e assim via o ser humano que estava por trás do erro.

Por mais que ataquemos as injustiças desse mundo, e por mis que elas se multipliquem, o problema essencial está mesmo dentro de nós. Nós estamos sofrendo de falta de suprimento. Sofremos de esvaziamento de amor e carência de esperança. Sofremos da ausência de confiança em nós mesmos e em Deus. Sofremos pela tanto pela falta de fé que não enxergamos que todas essas ausências estão consideradas na promessa da profecia de Isaías. Isaías está nos dizendo que Deus não nos condena pelo fato do nosso estoque estar baixo, que ele não nos rejeita porque somos falhos, e que não nos ignora porque a nossa luz não está brilhando. Isaías está dizendo que Deus mandou seu Filho para nos refazer, nos renovar, nos reabastecer e nos completar. Ele não está aqui para esmagar a cana quebrada e nem apagar a torcida que fumega. Não está aqui para julgar, condenar e destruir, mas para tratar muito melhor do que nos tratamos a nós mesmos e aos outros.

A nossa melhor intenção é dividir essa mensagem com todo mundo, mas isso será quase impossível enquanto existir a barreira montada em nossas mentes pela nossa natureza, pela maneira com que fomos criados ou pelo ranço do nosso pecado original. Mas o fato é que não queremos um Deus assim, isso nos incomoda. Ficamos sem saber o que fazer com ele. Ficamos com vergonha da sua bondade, da sua misericórdia e do seu amor. O Deus de Isaías é bom demais para funcionar nesse mundo. Ele jamais deveria deixar Isaías falar desse jeito. Um Deus que age assim é um Deus exagerado.

Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega. Vamos pensar agora na possibilidade de existir um Deus assim. Vamos pensar que ele realmente quer salvar a humanidade. Que ele, de fato, quer nos revelar que não veio para nos castigar, e nem nos rejeitar. Que ele não está bravo com ninguém. Vamos pensar que ele tem compaixão e que nos quer para ele. Se ele é realmente assim, pensemos agora o que ele teria feito. Ele teria feito exatamente aquilo que ele fez: teria mandado um homem chamado Isaías para anunciar como ele realmente era. O que teria feito Deus se ele fosse realmente amor? Teria feito exatamente o que fez: teria enviado seu único filho para que todo aquele que nele crê não morresse. 

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