Julgando o julgamento IV

Perícope da adúltera, Rembrandt
Mas se concluirmos que os critérios do julgamento de Jesus não levaram em conta a religiosidade das pessoas, não podemos pensar o mesmo quanto ao que ele pregou denunciou e concretamente agiu para que todos sejam vigilantes e nunca deixem de observar a
necessidade do próximo, prestando assim uma assistência social mais justa aos pobres e miseráveis do seu tempo. Desde o seu sermão inaugural na sinagoga de Nazaré da Galileia, quando disse que na sua pessoa havia se cumprido uma das mais incisivas profecias de Isaías sobre a chegada do Messias, e por esta ousadia foi expulso da sua cidade natal e quase morto pelos que o viram crescer, Jesus deixou claro a vocação do seu ministério tem como partida a assistência aos menos afortunados: O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor. Is 61,1-2 e Lc 4,18-19

Em uma situação bastante semelhante, esta então que causou, e ainda causa, interpretações absurdas, teve o seu ministério questionado por Judas pelo simples fato de aceitar passivamente o desperdício de um perfume caro e raro com o qual Maria, irmã de Lázaro, o estava ungindo. Pela unção esta Maria foi confundida com a prostituta louca que do mesmo modo ungiu Jesus na casa de um fariseu. Mas o absurdo maior vem da interpretação mais reacionária que se pode fazer da Bíblia: a que diz que no texto de João 12,8, onde Jesus diz que “os pobres sempre terei convosco”, ele estaria justificando a existência de pobres na sociedade. Embora não concorde com o julgamento de João sobre Judas chamando-o de ladrão, por ele ter externado a opinião sempre consensual de que o perfume deveria ser vendido e o dinheiro dado aos pobres, não posso de forma alguma aceitar que Jesus tenha dito estas palavras com o propósito de justificar a diferença injusta de classes sociais. Jesus estava se referindo ao momento único da sua estada entre nós humanos e mais uma vez anunciando o seu breve fim. Já a Teologia da Libertação faz uma releitura diametralmente oposta quando lê o texto desta forma: os pobres sempre tereis ao vosso lado. Uma interpretação que diz que os discípulos de Jesus serão identificados pela sua atuação em favor dos necessitados.

A despeito de toda a controvérsia que o tema que sempre causou nas diferentes visões do Cristianismo, temos que ter como meta final e até como fechamento da questão, quando Jesus proferirá a sentença sobre aqueles que serão chamados de benditos e os que serão marcados como malditos de seu Pai no dia do Grande Julgamento, Dia do Juízo Final ou Dia do Senhor como preferirem. Notem que no texto de Mateus 25 as ovelhas se surpreendem por terem sido escolhidas para ficarem ao seu lado direito, em uma nítida cena de espanto e alegria: Quando foi, Senhor, que te vimos desta maneira: pobre, com fome, sedento, nu, doente ou encarcerado? E Jesus novamente refaz o discurso inicial do seu ministério: quando fizeste a um destes meus pequeninos, a mim o fizeste. Menor, porém, não foi o espanto dos bodes velhos quando foram condenados a ficar a esquerda, ou seja, condenados pela falta de amor para com os pobres. Notem também que estes já haviam anteriormente exposto uma extensa lista de serviços prestados ao evangelho e ao nome de Jesus: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?

E com temor que precisamos guardar na consciência de que nenhuma destas grandes virtudes, tão relevantes em nosso tempo, será levada em conta naquele dia. Nem a profecia, nem os sinais e prodígios, muito menos os exorcismos. Tudo isso nos faz ter a certeza de que julgamento dos discípulos de Jesus sobre a sociedade, no que diz respeito à prática da justiça, ao atendimento ao carente e à obediência às leis primárias de Deus, não são apenas sugestões para uma vida aceitável. Elas se tornaram um imperioso mandamento. Quando assistimos pacificamente estas transgressões estamos pecando por omissão. Quando não nos iramos contra essas realidades, estamos sendo descuidados quanto ao que nos foi ensinado pela Palavra de Deus. Quando não julgamos e condenamos sumariamente as pessoas e instituições que visivelmente agem contra estes preceitos básicos da fé cristã, nos colocamos ao lado dos bodes velhos e chamamos sobre nós a maldição que é ficar de fora do Reino.

Não julgueis para que não sejais julgados é mais um medida preventiva quanto ao rigor do nosso julgamento do que propriamente uma imposição à faculdade de julgar, pois na exata medida com que medirmos, seremos igualmente medidos. Não há nestas palavras uma condenação explícita ao ato de julgar atitudes e intenções, há sim o estabelecimento dos parâmetros para que este julgamento seja realizado com propriedade, com inteireza de caráter e com a convicção daquele que se coloca ao lado de Jesus e contra todas as forças que escravizam o homem. O mundo está aí para ser salvo por Deus por meio da pregação do evangelho, e como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação?

É bem provável que eu já tenha feito esta citação anteriormente em outra postagem, mas não importa. Importa sim que ela é pertinente aqui. Certa vez um grupo de cristãos honestos e sinceros resolveram fazer vigilhas constantes para em oração pedir a Deus que enviasse socorro para os males crescentes do mundo, e resolveram entre eles que não parariam enquanto Deus não respondesse positivamente às suas orações. Não é que para espanto de todos a resposta veio logo na primeira vigilha? Deus simplesmente respondeu: Eu já enviei ajuda. Enviei vocês.

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