Malaquias, mais anjo do que mala

Junto aos rios da babilônia,
Philip Calderon 
(1833-1898
)
Leiam Malaquias 3.1-10
É curioso notar como os versículos bíblicos recebem ênfases diferentes em cada período da história da igreja. Na época de exagerado apelo financeiro que estamos atravessando, seria comum esperarmos que o mais aclamado fosse justamente o texto de Malaquias, que fala da fraude dos dízimos e ofertas: Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós bênção sem medida. Sem querer entrar nesta antiga discussão da obrigatoriedade ou não do dízimo, gostaria de fazer algumas
ponderações a respeito do contexto em que estão inseridas estas palavras do profeta que falou em nome de Deus no período da reconstrução do templo.

Para que nos situemos no tempo, Israel estava tentando se reconstruir como nação a partir da “libertação” do povo do exílio babilônico, levada a cabo por Ciro, rei persa. Dá bem para se perceber a grande falta que faz um templo para uma nação cuja centralidade se instaurava na sua religião, ainda mais quando a expressão desta religiosidade se consumava num lugar apropriado e separado para adoração do seu Deus. O templo de Jerusalém, para os judeus, não era simplesmente um local santo que exigia peregrinações obrigatórias de tempos em tempos, Ele era o símbolo da soberania do seu Deus sobre o paganismo, a consequente evidência da eleição de Israel como nação eleita pelo Deus que se fazia presente naquele templo, como também a garantia das promessas de que este povo seria, um dia, uma grande nação. Logo de cara podemos ver que o nosso contexto não é bem o mesmo.

Malaquias, a exemplo dos seus antecessores do profetismo bíblico, queria chamar a atenção do povo para este momento peculiar da vida da nação, que passara pela desolação quase que total, que experimentara a servidão cruel imposta por uma nação estrangeira e que estava recebendo gratuitamente uma nova chance de recomeço, quando tudo se configurava irremediavelmente perdido. O profeta fez uso de trocadilhos interessantes na sua língua, como Jacó e fraude, Israel e felicitar, Yahweh e aquele que é. Parece que estava dizendo que aquela nação herdou o espírito fraudador do seu patriarca, que, no passado, não fez outra coisa além de enganar ao seu pai, ao seu sogro e ao seu irmão. Ele está dizendo que Israel não aprendeu nada, como também não se esqueceu de nada. As fraudes que fizeram parte da história antiga tornaram a acontecer, mas que agora quem estava sendo fraudado não era um homem, e sim Deus.

Logicamente que Deus não se importava ou tinha necessidade de possuir um templo em seu nome. O valor do templo, desde a intenção primordial, sempre foi relativizado, inclusive por Jesus. O profeta entendeu que era o povo quem sentia tal necessidade. Recém chegado de uma terra cujos templos dedicados aos seus deuses eram infinitamente maiores e mais suntuosos que o seu antigo templo, não tinham como não associar a presença de seu Deus em outro local que não aquele. Assim como Israel rimava com felicidade, o templo representava a expressão máxima da sua alegria.

Malaquias não parou por aí, foi mais longe com um trocadilho pouco respeitoso com o nome de Deus. Mas com isso, ele quis deixar claro que, apesar do pecado do povo aumentar, Deus continuava sendo o mesmo, ou seja, continuava amando Israel e continuava querendo que Israel se voltasse para ele. E isso não poderia se dar somente através da entrega da décima parte dos seus ganhos, que também estava sendo fraudada, mas através da entrega de um dízimo íntegro, ofertado com alegria e com mãos limpas e sem fraudes. Inspirado nas palavras deste profeta, o autor da Carta aos Hebreus resumiu para nós o que seria tão importante hoje, o que foi para os judeus do tempo de Malaquias: Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. Se, pois, se tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda transgressão ou desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? (Hb 2.1s)

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