Desligou, está desligado?

Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus. Leia Mateus 18.15-20
Crucifica-o, Ivan Glazunov (1969-)
Por que os apelos equivocadas da Bíblia ganham tanto destaque nos círculos evangélicos? Muito provavelmente tem a ver com o biblicismo ingênuo, que valoriza o método simplista do texto-que-fala-por-si sobre a exegese cuidadosa e aplicada das Escrituras. Muito provavelmente tem a ver também com a exaltação da tolerância piedosa, que é muito habilmente manipulada pelos lobos travestidos de ovelhas, como se esta fosse a maior das virtudes que um cristão pode cultivar na terra. Mas acima de tudo, mais do que muito provavelmente, essas bizarrices teológicas tem a ver com a simples falha individual que paira sobre cada um de nós, todas as vezes que insistimos em não levar as verdades bíblicas a sério.

Tomemos como exemplo este fantástico e ousado texto do evangelho de Mateus. Um texto que fala essencialmente de responsabilidade pessoal e de inclusão, mas que tem servido para propósitos mesquinhos, prepotentes e discriminatórios, tanto na pregação pública, quanto nas relações interpessoais. Pela leitura superficial e descompromissada do versículo acima, tem muita gente, inclusive muitos pastores, imaginando que foram divinamente investidos com o supremo poder de avaliar o caráter, para determinar quem são os bem aventurados que vão gozar das delícias do céu, e quem são os amaldiçoados que irão padecer no mármore escaldante do inferno.

Não é para se esperar algo diferente. Uma vez que dizem que somente os preceitos que falam da obrigatoriedade do dízimo e da legitimação dos privilégios de imunidade dos ungidos do Senhor, encontrados exclusivamente no Primeiro Testamento, são os únicos que ainda estão em vigência até hoje. Advertências como: O SENHOR é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz subir. O SENHOR empobrece e enriquece; abaixa e também exalta, passam batidas não fazem o menor sentido.

Seria bom que atentássemos, antes, para a insistente reconciliação pelo qual o texto obriga o processo tramitar: A tentativa de um primeiro diálogo sigiloso e amigável, que vise essencialmente à reconciliação, resguardando, assim, o outro de uma exposição vexatória desnecessária; o envolvimento de mais uma ou duas testemunhas reconhecidamente idôneas, que tenham conhecimento de causa e sabedoria suficientes para avaliar imparcialmente em toda sua extensão a questão dos envolvidos; se nada disso funcionar, que o caso seja levado à autoridade máxima da Igreja, que é a assembleia dos que foram resgatados do pecado e lavados pelo sangue de Cristo, pois somente a ela, que no banco dos réus experimentou na pele a aflição do que é um julgamento dessa natureza, foi dada a chave do Reino dos Céus. Somente depois disso tudo é que alguma decisão pode ser pensada e tomada.

Seria bom que atentássemos, também, que a Bíblia não diz ser este um juízo que podemos exercer deliberadamente contra todos os pecadores, como se todas as ofensas do mundo fossem dirigidas a nós. O texto fala única e exclusivamente sobre aqueles que atentaram flagrantemente contra a nossa própria pessoa: Se o teu irmão pecar contra ti, diz o versículo 15. Fala como deve ser o nosso procedimentos com aqueles que publica e notoriamente nos prejudicaram de forma objetiva, e não subjetiva. Mesmo porque existem coisas que nos prejudicam subjetivamente, mas beneficiam objetivamente a muitos. O texto nos fala sobre as coisas que os outros fazem e nos dizem respeito.

Seria bom que atentássemos, mais uma vez, para que não venhamos a reeditar aquela fatídica sexta-feira, no Gólgota, em que a multidão de dedo em riste vociferava: crucifica-o! Enquanto que somente ele, o réu, guardava a verdade.


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