A tua palavra escondi

Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti.  Salmos 119.11
Criança no Ramadan, Vincent Kessler-Reuters
A meditação do Rev. Jonas Rezende, que hoje à noite lança o seu 30º livro baseada neste versículo do maior salmo da Bíblia, me fez relembrar uma “musiquinha”, antigamente chamado de corinho, que cantei muito quando criança. Até onde a minha lembrança alcança, ele era mais ou menos assim:
A tua Palavra escondi
No meu coração escondi
Pra não pecar contra ti, não pecar
A tua Palavra escondi

Não será necessário dizer que o verbo esconder tinha para mim, naquela época, um sentido bem diferente do que tem hoje. Pena que já não consigo mais resgatar o que de fato eu entendia quando cantava esse "corinho". Não posso também perguntar a uma criança de hoje o que passa pela sua cabeça quando se depara com essa letra, mesmo as novas traduções já traduzem por guardar e não mais por esconder, e as crianças já não o cantam mais na Escola Dominical. Mas de uma coisa vocês podem estar certos: não pensem que as crianças de antigamente entendiam menos o sentido do versículo do que muito adulto que o lê hoje.

Logicamente que a ênfase do texto não prioriza nenhuma e nem outra tradução. Se o sentido de esconder, como entendemos hoje esse verbo, tornou-se inadequado, guardar também não repercute totalmente a ideia inicial do autor do salmo, cujo contexto é uma tentativa de buscar o socorro de Deus contra os seus perseguidores, que o perseguem justamente pela sua fidelidade à Palavra de Deus que condena a opressão e a injustiça deles. O salmista está querendo dizer que ele está disposto a sustentar o seu testemunho em favor da integridade dessa Palavra, mas que para isso conta com a ajuda de Deus para livrá-lo dos inimigos que fez por conta desta sua atitude. Isso torna a sua decisão mais afeita ao terreno do entendimento do que a Palavra determina, ou seja, ele compreendeu perfeitamente qual era a vontade de Deus para ele. Mas também, de uma forma toda especial, ele apreendeu esse ensinamento em seu coração, pois não queria que ele fosse mais uma, das tantas coisas que tem aprendido. Um ensino que somente o coração pode reter, e porque não esconder?

Tudo isso é bem mais complexo do que simplesmente guardar em alguma parte do córtex cerebral. É bem mais desafiador do que ter uma lembrança, ainda que precisa, do que foi prescrito para ser cumprido. Para o salmista isso está mais do que claro, pois o seu salmo já se inicia com este pressuposto: Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca. É a partir daí que sua poesia toma forma de uma petição de um salmo imprecatório: Tomara sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos. Então, não terei de que me envergonhar, quando considerar em todos os teus mandamentos. Abrindo um parêntese, aqui temos mais uma idiotice dos tradutores atuais da Bíblia. Em lugar de “tomara seja firme os meus passos”, traduzia-se assim: oxalá sejam firmes os meus passos. Por questões comerciais trocaram o termo para não identificá-lo com a entidade cultuada nas religiões de origem afro. Se o termo fosse mantido as igrejas neopentecostais e os detectores oficiais de demônios comprariam mais essas Bíblias. Vejam vocês que autoridade têm esses senhores para alterar o meu salmo. Fecho parêntese.

O ponto decisivo em favor da minha interpretação quando criança, fosse ela qual fosse, é fato do salmista apresentar a Deus o seu problema partindo do ponto vista de alguém que tem pouca idade. Se não propriamente uma criança, alguém que ainda não tem suficiente maturidade para fazer escolhas sensatas com firmeza, daí a sua pergunta: De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho? O xeque mate nas interpretações adultas é justamente esse: mesmo para quem ainda não tem a capacidade de entender completamente o sentido exato do que a palavra de Deus determina, a intenção de guardá-la inalterada em seu coração serve como justificativa. Aí sim vamos ver o quanto o sentido antigo de esconder é mais elevado do que o atual que é guardar. Sinceramente, depois de tudo que tenho lido e aprendido dessa Palavra, prefiro algumas muitas vezes guardá-la em meu coração do que barateá-la em discussões com os neoreformadores da Bíblia.

Rev. Jonas Rezende lança o seu livro Teclado na Alma, hoje, a partir de 19h30min, na Igreja Cristã de Ipanema, rua Joana Angélica, 203 – Ipanema. Tel: 2287-8144 

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